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segunda-feira, 21 de agosto de 2017

Café com Conhecimento - Entrevista com a psicóloga Luciana Fernandes sobre Sexualidade

Hoje, no Café com Conhecimento, temos o prazer de receber a Luciana Fernandes, Psicóloga Clínica Cognitivo-Comportamental, Graduada pela Gama Filho, 23 anos de experiência clínica, Pós lato sensu em sexualidade humana, Mestra strictu senso em sexologia, Experiência em Saúde mental - coordenou por 15 anos o setor de psicologia da casa de saúde mental Sta. Cecília, Trabalho de atendimento multidisciplinar domiciliar pelo governo do estado do RJ, Psicóloga na FIA fundação da infância e adolescência, Abuso sexual e exploração sexual comercial de adolescentes em situação de risco, Professora da Universidade Unyleya, Consultório: Atendimento a autistas, Prioridade ao atendimento com crianças e adolescentes, Trabalho com: PECS, TEACCH, ABA. E hoje ela vai falar conosco um pouco mais sobre a sexualidade na infância e na adolescência das pessoas no espectro.

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1)                 A partir de que idade devemos abordar sobre sexualidade com o autista não verbal? Ele dá algum sinal que despertou o interesse?
Deve-se começar cedo. A criança não-verbal consegue se comunicar, podendo ser através de PECS ou comportamentos, e muitas vezes, crianças verbais não se comunicam, já que verbalização não significa comunicação, podendo usar ecolalia, ou falas fora de contexto, portanto a primeira pode ser mais comunicativa que a segunda.
O método TEACHH sugere iniciar a conversa sobre sexualidade a partir dos 10 anos de idade, cerca de 2 a 3 anos antes do que o ECA (Estatuto da criança e do adolescente) considera como puberdade, que inicia aos 12 anos.
O ideal é que, a partir da percepção dos pais de toques que sugerem autodescoberta genital por parte da criança, mesmo que sem conotação sexual, inicia-se a abordagem deste assunto. Em autistas não-verbais, a sugestão é que se inicie através de PECS. Para 85% dos distúrbios psicológicos, o uso do TCC (Terapia Cognitiva Comportamental) é de grande eficácia; no caso das crianças autistas é importante que a terapia seja feita através de um sexólogo com formação para trabalho com crianças no TEA.

2)                 O que fazer com uma criança autista quando a libido está sem controle? Como trabalhar essa questão?

Dificilmente será possível limitar a libido, pois é uma questão individual, podendo ser influenciada pelo nível de testosterona, pela personalidade, ou outros, já que a sexualidade é individualizada.
Por volta dos 7 anos algumas crianças já começam a se tocar, como existem pessoas que com 18 anos não demonstram interesse por seu corpo ou pelo corpo do outro. Quando se fala de uma criança que a libido está sem controle, trabalha-se esta questão em terapia, na busca por uma causa provável (biológica e psicológica), bem como o tratamento adequado para tal, seja ele biomédico ou psicológico. Como terapeuta especialista em crianças no espectro, me atenho às terapias comportamentais, acreditando sempre no trabalho multidisciplinar, tendo uma visão holística.
Devo ressaltar que a sexualidade da criança vai emergir, mas não é adequado que uma criança de 5 anos se toque a todo momento e em qualquer lugar (mesmo que com intuito de descoberta). Então, o intuito do TCC é modelar este comportamento, com reforços positivos e negativos através dos métodos do behaviorismo.

3)                 Meu menino tem 5 anos, tea, não verbal e hiperativo. Recomeçou a manipulação de genitais e baixar a roupa em público. Qual a melhor estratégia?
Abaixar a roupa, se entendido como incômodo em relação à vestimenta, uma estratégia é dificultar esta tentativa com roupas de difícil remoção. Outras formas de trabalhar esta questão é a utilização de esquemas, pictogramas, fotos e PECS que desenvolvam o comportamento adequado através da repetição, mantendo o trabalho de associação de comportamento ao simbolismo do quadro que ele está apresentando. Por isto é importante que se inicie a terapia o mais cedo possível para ensinar o que deve ou não ser feito, para ajudar a aprender.
De uma forma geral, as melhores estratégias são o uso de quadro de rotina, história social, pictogramas e materiais adaptados e estruturados para a percepção da zona de segurança, buscando a máxima compreensão das suas atitudes.

4)                 Para os autistas com mais comprometimento existe algum medicamento que ajude nesse processo do desejo sexual?
Eu sou favorável ao uso do medicamento, mas deve-se pensar, primeiramente, nas consequências do uso da medicação.
Antipsicóticos atípicos (AAPs) são uma saída para este processo, como Clozapina, Rispiridona, Olonzapina, Ziprasidona, Quetiapina e Aripiprazol. Os melhores resultados que tenho visto são com uma paciente no uso de Quetiapina, que apresentava um comportamento muito sexuado, chegando a ser uma estereotipia; com um paciente que toma Clomipramina há aproximadamente 3 meses, com 14 anos e teve uma melhora muito grande em comportamentos repetitivos e estereotipias [a masturbação nada mais é do que um comportamento repetitivo e que pode se tornar uma estereotipia também]. Um novo medicamento em relação à sexualidade do adolescente é o Aripiprazol que mostra uma baixa na libido, promovendo certo controle, trabalhando a ansiedade.
Existe uma lista muito grande de medicamentos que podem ser usados em parceria com o TCC, porém sou sexóloga e não médica, então quis citar alguns exemplos que são usados por pacientes que eu atendo e que fazem uso das medicações que eu vi funcionar, e acredito que um médico falaria melhor do que eu.
Através do treino de habilidades sociais conseguimos alcançar muitos objetivos, porém algumas vezes precisamos recorrer à terapia medicamentosa como parceira no tratamento global.

5)                 Meu filho tem 19 anos e têm período que se masturba o tempo todo! Tem paixão por pernas e joelhos! Como proceder? Tem alguma medicação para diminuir a libido?
Um menino de 19 anos já é um adulto, mesmo que a idade cognitiva não acompanhe a idade cronológica, porém com 19 anos os homens já têm o corpo formado e tem necessidades específicas.
Anteriormente havia dito que há estabilizadores de humores, secretina, ziprasinoda, etc. que trabalham como controladores de humor e comportamental, então cabe ao médico (neste caso, pode ser o psiquiatra) ajudar à família com efeitos de medicação.
Não sou contra a medicação, mas entenda que o autismo é uma condição neurológica, e se tudo que envolve o autismo for tratado com medicação, nós despersonalizamos este indivíduo. Eu sei que não é adequado que um sujeito do sexo masculino coloque o pênis para fora e comece a manuseá-lo, bem como não é adequado que um sujeito do sexo feminino coloque a mão dentro da roupa íntima para se tocar, mas tratar isto somente com medicação inibe a forma de prazer destes sujeitos e inibem a forma destes sujeitos interagirem com o próprio, o que eles precisam entender é que existe um espaço e um tempo específico para ter este momento de se tocar, de ejacular, e de sentir prazer. Mas quando o caso é algo que extrapola, sou favorável de que se utilize medicamentos desde que com indicação médica e na dosagem correta para cada caso. É de bom tom dizer que eu acredito muito no TCC, porque funciona, basta insistir repetir e ensinar, e com o tempo conseguimos grandes resultados.
Quanto às predileções por joelhos e pernas, são características extremamente individuais deste sujeito, como podem ter jovens que gostam de bunda, ou vão olhar para uma menina e vão acha-la linda, outra nem tanto. Este indivíduo tem peculiaridades, sim, mas é um sujeito como outro qualquer com as suas predileções e características.

6)                 Como ensinar onde e quando pode pegar no “pipi” para um autista moderado quando ele se sentir excitado?
Onde nos sentimos mais à vontade para fazer este tipo de coisa? Quarto ou banheiro! Sala, cozinha, área ou outros locais que são de passagem comum da família não são locais adequados para se tocar (válido para autista de qualquer grau), estabelecendo regras através de pictogramas ou da melhor forma que funciona com o seu filho, ensinando sempre que deve ser feito em lugar privado.
Muitas vezes a excitação é reflexa diferentemente de uma questão sexual, podendo ser pela vontade de urinar ou por encostar em alguma coisa (sensorial), estimulando sempre que nesses casos a criança, adolescente ou adulto busque um local adequado para que isto passe. Por exemplo: se algo deste tipo acontece na praça de alimentação de um shopping, deve-se estimular o sujeito a buscar o banheiro, sempre com autonomia, e sem que ninguém o toque, obedecendo sempre à pessoa de referência, geralmente, pai e mãe, e se for na escola, a mediadora. Lembrando sempre de que não se trata de um ato público, lembrando-o de quem pode ou não chegar perto dele, e que nunca alguém deve tocá-lo intimamente (seja no pênis ou vagina), somente ele deve se tocar, até mesmo para prevenir situações de abuso.
É importante utilizar sempre termos claros e técnicos (como pênis e vagina). Na hora da higienização, utilizar termos como pequenos e grandes lábios (no caso das meninas), clitóris, etc. explicando o que é cada um deles, e esclarecendo que aquele é um local de prazer, mantendo a abertura destes assuntos em casa, já que se isto não for feito, pode ser que alguém que não pertence à confiança da família, chegue a explorar isto de uma forma não saudável, lembrando da possibilidade de abusos. Os autistas são um público vulnerável, principalmente aqueles que são não-verbais.
Tratando-se de metodologia, devemos sempre optar pelo concreto, mostrando figuras (buscar materiais estruturados que desenvolvam as ações próprias daquele sujeito, como imagens abaixando a roupa, se tocando ou tomando banho, por exemplo) e assinalando a voz de comando em seguida, ensinando sempre “onde” e “quando” adequando-se à idade de cada um, iniciando com o uso de PECS, história social, apoios visuais e quadro de rotina.

7)                 Como e com qual idade introduzir o diálogo sobre sexualidade com as crianças autistas?
Como foi dito anteriormente, e é de suma importância reforçar, deve-se abordar sobre a sexualidade desde a infância, já que todos, sem exceção, vieram ao mundo pela via sexual. Da mesma forma que abordamos diversas situações, como ir ao banheiro, dar descarga, trocar de roupa, dar “oi”, etc. devemos abordar a questão da sexualidade com seu devido cuidado. O que não fazemos é falar de sexo.
Deve-se falar sobre a sexualidade a partir do momento que for necessário. E falar sobre o assunto não significa sexualizar as ações do sujeito, mas todo sujeito possui sexualidade.
O jovem autista de médio e alto funcionamento pode ser instruído verbalmente da mesma forma que fazemos com adolescentes típicos. Essas instruções que vem dos orientadores sexuais (pais, sexólogo, família, professores, pessoa de referência) devem ser assimiladas pelo sujeito, iniciando-se sempre do mínimo para o máximo; se uma menina precisa saber sobre menstruação primeiro, fala-se disto com ela primeiro, primando pelas informações necessárias e dando materiais concretos para maior compreensão, não começamos falando sobre namoro, beijo na boca ou relação sexual, focamos no evento fisiológico [menstruação]. No consultório eu mostro um absorvente bem suave, de algodão, passo corante vermelho, e mostro como fica, em casa deve-se mostrar o local correto de colocá-lo na calcinha, como prender e como deve ficar, colocar na menina (para que ela possa compreender como é utilizar o absorvente), ensinar quando deve ser trocado (explicando sobre as bactérias e cheiros). Estas dicas para autistas de médio e alto funcionamento são de grande importância e tem grandes chances de compreensão total.

8)                 Como devemos agir quando uma criança de 10 anos, que já pode estar se descobrindo sexualmente, e fica se estimulando? Quando saber qual o momento de permitir e até mesmo ensinar a criança a se masturbar?
A masturbação é um ato normal, porém é de cunho privado e que deve ser feito dentro de um local privado.
A masturbação feita em local público não pode ser permitida, mesmo que dentro de casa (em locais de circulação comum). Como já foi dito, deve ser um comportamento que o adolescente/criança realize em locais privados, como o próprio quarto ou banheiro, em horários específicos.
O termo “permitir” é muito profundo ao se tratar deste tipo de comportamento, dando a entender que pode ser errado, e a criança/adolescente pode se privar disto em outro momento, o que pode ser prejudicial, já que ao impedir a masturbação estamos afetando o desenvolvimento sexual do indivíduo, e consequentemente a concepção de gênero. Então é preciso analisar quando este comportamento está em excesso e oferecer outras opções de atividades para redirecionar a energia dele. Em algum momento ele poderá se masturbar, por isso é importante estabelecer combinados de locais e horários com o foco dividido entre outras atividades. Deve-se entender que eles têm a necessidade desse autoconhecimento e desse prazer, e saber lidar com isso sem reprimir a sua sexualidade.
A forma de ensinar como e quando fazer, já foi explicada anteriormente, mas é importante lembrar que toda a explicação sobre o assunto deve ser dada com bastante cautela, ensinando sempre as posições a serem adotadas para a masturbação (meninos em pé, e meninas sentadas em locais adequados que não permitam infecções por bactérias), qual o movimento deve ser feito (no caso das meninas, explicar que não pode introduzir objetos ou os dedos para não se machucar), como deve lubrificar (evitando o toque seco, para os meninos; e pensando sempre em manter as unhas das meninas aparadas, para evitar arranhões) prezando sempre pelo bem estar da criança/adolescente e orientando as técnicas, locais e horários adequados. Não se deve ater o foco à masturbação, mas o assunto deve aparecer.

9)                 No caso de o pai não ser presente na vida da criança como a mãe pode abordar sobre o tema sexualidade ou masturbação com o menino autista não verbal?
O primeiro aspecto é saber se a mãe está preparada para abordar o assunto da sexualidade.
Quando se fala de sexo é preciso ter segurança no que está sendo dito e estar bem com a sua própria sexualidade. Então se a mãe não se sente à vontade para abordar este assunto com o filho, é importante contar com o apoio de um profissional ou alguém do núcleo familiar que aborde esta questão com seriedade: alguém da equipe que trabalha com a criança/adolescente, ou tios, primos e pessoas próximas, que estejam preparadas e tenham conhecimento sobre o assunto, para oferecer o treinamento passo-a-passo, não dando muitas informações, apenas as necessárias, que geram segurança, para que ele não pense que aquilo é errado, e saiba onde e quando fazer.

10)             Como uma criança autista não verbal pode se defender de abuso sexual?
A criança pode aprender a se defender através de regras que são passadas desde cedo de forma bastante concreta. Primeiramente é preciso ser proativo para ensinar e não o deixar ter uma visão distorcida através de outras pessoas, portanto é preciso que a família pense em todos os aspectos que rodeiam a criança.
Independente do grau do autismo, as crianças apresentam ingenuidade nas suas ações, devido à própria natureza do espectro, tornando-os um grupo vulnerável a abusos, portanto é preciso anteceder este tipo de ataque. A partir disto é preciso organizar as regras a serem seguidas: Utilizar termos técnicos (falar pênis/vagina); ensinar a se masturbar somente em locais privados (em seu próprio quarto, no banheiro, ou em qualquer local que ele não possa ser observado); não permitir que outra pessoa o masturbe, sempre redirecionando o comportamento inadequado.

11)             Ensinar um adolescente autista se masturbar com as mãos não vai fazer com que ele queira fazer isso em qualquer lugar?
Não vai fazer isto em qualquer lugar, pois você aderiu às regras. Antes de ensinar como masturbar utilizando as mãos e as regras aplicadas ao ato em si, haverá um trabalho específico sobre o que é masturbação, o que é o toque, o que acontece quando ele se masturba (ele vai ejacular, e sai um liquido viscoso, pegajoso, branco, que tem um odor forte), para que serve o liquido que sai do pênis; portanto há uma construção do pensamento para explicar que a união do espermatozoide com o óvulo vai gerar um novo ser humano. Então é importante explicar tudo o que há envolvido por trás da masturbação com as mãos, pois ele pode machucar o pênis, na tentativa de chegar ao prazer. Há casos de adolescentes com limitações sensoriais que não conseguem levar o toque adiante, então o nosso papel é dar os instrumentos adequados (o ensino) para que esse toque seja mais prazeroso, para que ele chegue até o final, e perceber como o cérebro dele reage a esta percepção do orgasmo.
Com as explicações necessárias e colocando as regras, não fará com que isto se torne mais frequente [muito pelo contrário], pode até que ser que o comportamento reduza a partir das instruções, pois ele se tocará e chegará ao orgasmo de forma correta, conseguindo dosar e saber a hora certa de fazer.

12)             Você indica o uso de vagina artificial?
Sim, eu indico uso da vagina porque muitos não vão conseguir usar as mãos (mesmo que tentemos ensinar), podendo usar almofadas, quina da cama, sofá ou qualquer outro lugar que promova uma textura interessante, mas que podem machucar. Já a vagina artificial não machuca, pois vai ser lubrificada (a base de água, como KY), e ali será introduzido o pênis. Como nos outros processos, isto deverá ser ensinado através de figuras (pictogramas) ou orientações verbais, dependendo do grau do autismo. Eu indico que a vagina seja o mais real possível. Também indico o uso de revistas masculinas bem escolhidas (sem uso de fotos que coloquem a mulher numa posição de submissão, com fotos bonitas, sem mostrar vagina ou pênis reais, mas dando a entender o que se encontra ali), de lubrificantes e filmes (desde que com soft porn).
Eu acredito que o corpo do outro deve ser apresentado aos adolescentes, mas é imprescindível manter o respeito ao corpo do outro, fazendo uso de revistas que mostrem os formatos da mulher, mas não de forma ginecológica; ou usar filmes que contenham estórias, e que não vulgarizem os corpos masculinos e femininos. É preciso tomar estas precauções porque pode gerar repetição/imitação, mesmo com a deficiência do neurônio espelho. Então se o adolescente passa a ver que o homem pode ejacular na boca, no rosto ou no cabelo da mulher, e isto passa a ser uma regra, pode ser que não estamos alcançando os objetivos de ensino claramente.
Algumas questões em relação ao TEA, eu acredito que devam ser tratadas de forma heteronormativa, por questões associadas à construção psicológica da sexualidade. O que nos leva a refletir sobre como deve ser feita a construção de gênero.
Eu acredito, como profissional, que a construção de gênero, no autista, deve se dar a partir do sexo designado a ele no nascimento, de forma heteronormativa. Se posteriormente, no ensino médio ou na faculdade, ele venha a descobrir que é bissexual, homossexual ou transgênero, então devemos tratar isso na sua particularidade, quando isto acontecer. Primeiramente devemos nos concentrar na sua interação pessoal (conhecer o seu próprio corpo, os seus sentimentos, seus próprios pensamentos e a forma como se apresenta no mundo).

13)             Quais as estratégias para lidar com o início da sexualidade em pré-adolescentes autistas?
Eu trabalho na linha comportamental, então vou trazer técnicas neste segmento, estabelecendo a educação sexual, tanto para os verbais quanto para os não-verbais.
A primeira é a resolução de problemas, principalmente para autistas leves, podendo se estender a médios: É preciso estabelecer quais problemas estão sendo enfrentados, e estabelecer objetivos a serem alcançados, juntamente com a criança, avaliando qual a eficácia do autista em resolver isto, testando o conhecimento e o questionamento socrático dele sobre este problema (Qual é o problema? Qual o significado que este problema tem em sua vida? Qual a resposta ás possíveis respostas para esse problema? E qual a solução?). Sempre passando pelo treino das habilidades sociais.
Tomada de decisões é extremamente importante no que diz respeito ao TCC, então eu peço para o meu paciente que classifique vantagens e desvantagens de cada contexto considerado dentro da sessão. Esta é uma intervenção muito simples feita a partir da consideração quanto à dificuldade na tomada de decisões, típica do autismo, levando em consideração a autonomia deste sujeito.
Para estimular a tomada de decisões e melhorar a ansiedade é importante promover o relaxamento da criança através de técnicas como massagens, expansão do ar na região torácica, levar o ar à região abdominal, promover um ambiente organizado e estruturado, objetos de relaxamento da mão (bolinhas sensoriais e de vibração), carrinhos de massagem, etc.
Roleplaying/ Dramatização: É uma técnica de dramatização utilizando a criação de personagens fictícios no intuito de ensinar uma habilidade, tratando todo o momento como brincadeira e de forma lúdica.
Cartão de enfrentamento: Muitas vezes eles têm questões relacionadas ao TOC (Transtorno obsessivo compulsivo) e ao TOD (Transtorno opositor desafiador), então é importante ter cartões de pensamento, como o Baralho das emoções, dos pensamentos e das atividades sociais, fazem parte da terapia comportamental e devem servir de objetos de instrumentalização para os pais e para os pacientes.
Reforço por símbolo: É feito através de um pictograma positivo demonstrado por uma ação ou por uma estrela, para reforçar positivamente determinada ação da criança.
Reforço tangível: Pode-se reforçar positivamente através do abraço (excelente método para liberar oxitocina), cosquinha, presentes (é importante observar que presente precisa ser ponderado, estipulando datas para isto), brinquedos, etc.

14)              Deve-se ensinar ao adolescente com autismo moderado ou severo a forma correta de se masturbar? Como evitar que ele faça em lugar inapropriado?
Se for uma demanda deste adolescente, deve-se ensinar sim.
Para evitar que ele faça isto em local inapropriado deve-se seguir as orientações que foram ditas até agora, lembrando-se sempre de dar apoio visual e reforçar positivamente.

15)             É recomendável dar remédios para minimizar os efeitos hormonais e consequentemente manifestações sexuais?
Na minha visão, de sexóloga, não se deve utilizar medicações com este objetivo. É recomendado quando a questão da sexualidade foge ao controle em autismo de grau severo.

16)             Para as meninas, quando chegam a fase do ciclo menstrual, como orientar? Como ensinar a se cuidar? É recomendável dar medicamentos para não menstruar?
Em alguns casos é indicado o uso de medicamentos ou implantes para interromper a menstruação, principalmente se o comprometimento for muito grande. Até mesmo por questões de higiene e de asseio. Mas é uma forma de construção feita a partir da conversa com o médico da menina.
A orientação quando aos cuidados com a menstruação é feita através de estímulos visuais, mostrando absorventes, pintando-os, demarcando o local adequado na calcinha (com vermelho), mostrando como tira a adesivação, pedindo que ela o faça, etc. Eu recomendo o uso de absorventes de algodão, com aba.
Para ensinar a se cuidar, também indico o uso de pictogramas de ações, valendo para as autistas leve e médio. Já as meninas graves, tem uma dificuldade maior quanto à higiene e aos odores, mas pode-se trabalhar bastante estas questões com elas, e se não for observado que isto está progredindo bem, pode consultar um médico para a prescrição de um medicamento que interrompa a menstruação.

17)             Quando a criança na escola demostra sono (como fuga da atividade proposta já q o mesmo não dorme mais de dia) como proceder?
Provavelmente esta atividade não está chamando a atenção dele. Mas não vejo um grau de dificuldade. Pode-se propor uma mediação com a escola para observar as motivações para isto estar acontecendo, e encaminhar para a sala de recursos, observando todas as peculiaridades do autistas para observar o que será trabalhado através do PEI (Plano Educacional Especializado).

18)             Quando o autista é calmo, mas se irrita, às vezes, com a mediadora ao fazer atividade pedagógica na escola tentando bater nela e outras chorando como deve-se agir no momento? Contê-lo e insistir?  Esperar um pouco e depois retornar atividade?
O profissional deve contê-lo no momento em que ele está representando um risco para si, ou para a monitora, tentando segurar as mãos, aguardando um tempo para ele se reorganizar, utilizando técnicas de relaxamento, como músicas, respiração, carinho, abraço, etc.
Quando um autista apresenta heteroagressividade, é uma forma de sinalizar que ele não quer fazer determinada atividade, e que precisa de um tempo, podendo ser até mesmo uma forma de dizer que está recebendo estímulos demais.

19)              Por que é comum o autista entrar na puberdade precocemente?
É muito comum que o autista entre na puberdade precocemente, por razão do processamento sensorial dessas crianças. O que não significa, necessariamente, que o nível hormonal esteja maior, mas sim que há peculiaridades referentes às questões sensoriais, neurológicas, monofuncionais e psicológicas.
Cerca de 80 a 85% dos autistas entram na puberdade precocemente.

20)             Como ensinar um autista a namorar?
Através do treino de habilidades sociais pode-se ensinar as noções de empatia, afeto, carinho, respeito ao espaço do outro, relações afetivas, etc.
Geralmente as crianças/adolescentes apresentam certo interesse e curiosidade sobre o assunto, e passam a expressar isso, representando um rito de passagem.
É importante ele perceber, também, que pode haver rejeição por parte do outro, como acontece com todos nós.

21)             Se a criança autista gosta de abraçar a mãe e se excita com isso, devemos conter?
Quando se trata de um autista leve, deve-se orientar quanto ao assunto, da mesma forma que especificado anteriormente, apontando que não se deve tocar desta forma na mãe, na irmã ou em qualquer outra pessoa, a não ser que a pessoa permita, e isso vai acontecer na hora que ele tiver idade adequada para o namoro, pois é comum que a criança se excite com o toque, e determinadas roupas facilitam que isto aconteça, por exemplo, roupa fitness ou com texturas diferentes.
É importante que contenha o avanço deste tipo de excitação, relembrando que há várias formas de redirecionar este sentimento, para que não tome uma proporção maior, e nunca se deve incentivar este tipo de comportamento

22)             Se o autista não gosta de toque, ele sente vontade de beijar e abraçar?
Depende muito. Pois existem autistas que não gostam do toque e escolhem momentos específicos para nos beijar e abraçar, então nestes momentos estes comportamentos podem ser reforçados positivamente.

23)             Como seria um relacionamento autista adulto? Tem alguma experiência sobre isso?
Eu sou casada com um homem autista de alto funcionamento que foi diagnosticado aos 18 anos por um psiquiatra e nós começamos a namorar quando ele tinha 22, mas eu já era formada em psicologia e notei alguns traços que me conduziram à questão de um autismo leve. Isto não nos impediu de nada, e hoje temos 14 anos de relacionamento.
Nós não temos filhos, mas isto não diz respeito ao espectro do meu marido, mas sim à minha condição de esterilidade. Portanto não temos nenhum medo de que venha uma criança no TEA, mas as condições que nos cercam não nos permitem ter filhos.
O casamento na condição do TEA, eu vejo como um presente, já que esta é uma questão que sempre esteve ao meu lado. A primeira vez que eu ouvi a palavra autismo eu tinha 3 anos e uma mãe falou com a minha que eu era a única criança que brincava com o filho dela que tinha autismo. Na faculdade, o meu primeiro trabalho foi sobre o autismo, pois ninguém queria falar sobre o assunto. Numa cirurgia, posteriormente, dividi um quarto com uma menina autista. Então desde a faculdade, quando ainda estava escolhendo a minha linha de abordagem e de trabalho, já me interessava bastante sobre o autismo, então falar sobre o assunto é uma coisa muito natural e muito presente na minha vida. Também, desta mesma forma, falar sobre sexo e sobre a rotina que me rodeia, é muito natural e muito gratificante.
Então, me atendo ao casamento, tenho muita tranquilidade em dizer que o sexo e o que gira em torno dele são aspectos muito tranquilos do meu relacionamento, mas é claro que o casamento não gira em torno do sexo, em sim companheirismo, afeto, fraternidade, empatia, conhecimento, intimidade, falar sem ter receio de como vai ser compreendido, e é um aprendizado constante.
Os relacionamentos que eu vejo de amigos próximos que tem autismo, também são conduzidos desta forma, e são bem-sucedidos, sem dever nada àqueles que são neurotípicos.

Obs.:Esquema corporal: Existem formas de trabalhar o esquema corporal com crianças e adolescentes, como o uso de desenhos em tamanho real. Existe um material feito em papelão grosso que imita o corpo, com braços, pernas, cabeça, pescoço, podendo estar com roupa ou não, mostrando o corpo nu e ajudando na atividade estruturada. Também existem diversos brinquedos no mercado que apresentam as mesmas modalidades de uso para apresentação de esquema corporal.
Para falar de sexo é preciso que eles saibam como é o corpo deles. A partir da pergunta “Por que eu não devo me tocar? ”, é preciso refletir como será dada esta explicação, e a escola deve agir como uma ferramenta de trabalho colaborativo na estruturação destes conceitos. O método TEACHH é utilizado no espaço pedagógico, e é importante abordar o assunto da sexualidade estruturado pedagogicamente, ensinando a tomar banho da forma correta, a se masturbar (quando, onde e como), compreendendo as partes do corpo (a totalidade de suas capacidades) e abordando a sexualidade, por exemplo, ensinando a se masturbar durante o banho, fazendo uso de instrumentos presentes no banheiro, como sabonete líquido, e colocando quadros ilustrativos naquele espaço.

Nós agradecemos imensamente a disponibilidade da Luciana de nos ceder esta entrevista maravilhosa sobre um assunto que muitas vezes é tabu na nossa sociedade, descrevendo tudo o que gostaríamos de saber de uma forma leve e didática.
Para quem quiser entrar em contato com a Luciana:
luhfernandes2012@gmail.com

21 98070-9408

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