Hoje, no Café com Conhecimento, temos o prazer de receber a Luciana
Fernandes, Psicóloga Clínica
Cognitivo-Comportamental, Graduada pela Gama Filho, 23 anos de experiência
clínica, Pós lato sensu em sexualidade humana, Mestra strictu senso em
sexologia, Experiência em Saúde mental - coordenou por 15 anos o setor de
psicologia da casa de saúde mental Sta. Cecília, Trabalho de atendimento
multidisciplinar domiciliar pelo governo do estado do RJ, Psicóloga na FIA
fundação da infância e adolescência, Abuso sexual e exploração sexual comercial
de adolescentes em situação de risco, Professora da Universidade Unyleya,
Consultório: Atendimento a autistas, Prioridade ao atendimento com crianças e
adolescentes, Trabalho com: PECS, TEACCH, ABA. E hoje ela vai falar conosco um pouco mais sobre a sexualidade na infância e na adolescência das pessoas no espectro.
1)
A
partir de que idade devemos abordar sobre sexualidade com o autista não verbal?
Ele dá algum sinal que despertou o interesse?
Deve-se começar cedo. A criança não-verbal consegue se
comunicar, podendo ser através de PECS ou comportamentos, e muitas vezes,
crianças verbais não se comunicam, já que verbalização não significa
comunicação, podendo usar ecolalia, ou falas fora de contexto, portanto a
primeira pode ser mais comunicativa que a segunda.
O método TEACHH sugere iniciar a conversa sobre
sexualidade a partir dos 10 anos de idade, cerca de 2 a 3 anos antes do que o
ECA (Estatuto da criança e do adolescente) considera como puberdade, que inicia
aos 12 anos.
O ideal é que, a partir da percepção dos pais de
toques que sugerem autodescoberta genital por parte da criança, mesmo que sem
conotação sexual, inicia-se a abordagem deste assunto. Em autistas não-verbais,
a sugestão é que se inicie através de PECS. Para 85% dos distúrbios
psicológicos, o uso do TCC (Terapia Cognitiva Comportamental) é de grande
eficácia; no caso das crianças autistas é importante que a terapia seja feita
através de um sexólogo com formação para trabalho com crianças no TEA.
2)
O
que fazer com uma criança autista quando a libido está sem controle? Como
trabalhar essa questão?
Dificilmente será possível limitar a libido, pois é
uma questão individual, podendo ser influenciada pelo nível de testosterona,
pela personalidade, ou outros, já que a sexualidade é individualizada.
Por volta dos 7 anos algumas crianças já começam a se
tocar, como existem pessoas que com 18 anos não demonstram interesse por seu
corpo ou pelo corpo do outro. Quando se fala de uma criança que a libido está
sem controle, trabalha-se esta questão em terapia, na busca por uma causa
provável (biológica e psicológica), bem como o tratamento adequado para tal,
seja ele biomédico ou psicológico. Como terapeuta especialista em crianças no
espectro, me atenho às terapias comportamentais, acreditando sempre no trabalho
multidisciplinar, tendo uma visão holística.
Devo ressaltar que a sexualidade da criança vai emergir, mas não é adequado que
uma criança de 5 anos se toque a todo momento e em qualquer lugar (mesmo que
com intuito de descoberta). Então, o intuito do TCC é modelar este
comportamento, com reforços positivos e negativos através dos métodos do
behaviorismo.
3)
Meu
menino tem 5 anos, tea, não verbal e hiperativo. Recomeçou a manipulação de
genitais e baixar a roupa em público. Qual a melhor estratégia?
Abaixar a roupa, se entendido como incômodo em relação
à vestimenta, uma estratégia é dificultar esta tentativa com roupas de difícil
remoção. Outras formas de trabalhar esta questão é a utilização de esquemas,
pictogramas, fotos e PECS que desenvolvam o comportamento adequado através da
repetição, mantendo o trabalho de associação de comportamento ao simbolismo do
quadro que ele está apresentando. Por isto é importante que se inicie a terapia
o mais cedo possível para ensinar o que deve ou não ser feito, para ajudar a
aprender.
De uma forma geral, as melhores estratégias são o uso
de quadro de rotina, história social, pictogramas e materiais adaptados e
estruturados para a percepção da zona de segurança, buscando a máxima compreensão
das suas atitudes.
4)
Para
os autistas com mais comprometimento existe algum medicamento que ajude nesse
processo do desejo sexual?
Eu sou favorável ao uso do medicamento, mas deve-se
pensar, primeiramente, nas consequências do uso da medicação.
Antipsicóticos atípicos (AAPs) são uma saída para este
processo, como Clozapina, Rispiridona, Olonzapina, Ziprasidona, Quetiapina e
Aripiprazol. Os melhores resultados que tenho visto são com uma paciente no uso
de Quetiapina, que apresentava um comportamento muito sexuado, chegando a ser
uma estereotipia; com um paciente que toma Clomipramina há aproximadamente 3
meses, com 14 anos e teve uma melhora muito grande em comportamentos repetitivos
e estereotipias [a masturbação nada mais é do que um comportamento repetitivo e
que pode se tornar uma estereotipia também]. Um novo medicamento em relação à
sexualidade do adolescente é o Aripiprazol que mostra uma baixa na libido,
promovendo certo controle, trabalhando a ansiedade.
Existe uma lista muito grande de medicamentos que
podem ser usados em parceria com o TCC, porém sou sexóloga e não médica, então
quis citar alguns exemplos que são usados por pacientes que eu atendo e que
fazem uso das medicações que eu vi funcionar, e acredito que um médico falaria
melhor do que eu.
Através do treino de habilidades sociais conseguimos
alcançar muitos objetivos, porém algumas vezes precisamos recorrer à terapia
medicamentosa como parceira no tratamento global.
5)
Meu
filho tem 19 anos e têm período que se masturba o tempo todo! Tem paixão por
pernas e joelhos! Como proceder? Tem alguma medicação para diminuir a libido?
Um menino de 19 anos já é um adulto, mesmo que a idade
cognitiva não acompanhe a idade cronológica, porém com 19 anos os homens já têm
o corpo formado e tem necessidades específicas.
Anteriormente havia dito que há estabilizadores de
humores, secretina, ziprasinoda, etc.
que trabalham como controladores de humor e comportamental, então cabe ao
médico (neste caso, pode ser o psiquiatra) ajudar à família com efeitos de
medicação.
Não sou contra a medicação, mas entenda que o autismo
é uma condição neurológica, e se tudo que envolve o autismo for tratado com
medicação, nós despersonalizamos este indivíduo. Eu sei que não é adequado que
um sujeito do sexo masculino coloque o pênis para fora e comece a manuseá-lo,
bem como não é adequado que um sujeito do sexo feminino coloque a mão dentro da
roupa íntima para se tocar, mas tratar isto somente com medicação inibe a forma
de prazer destes sujeitos e inibem a forma destes sujeitos interagirem com o
próprio, o que eles precisam entender é que existe um espaço e um tempo
específico para ter este momento de se tocar, de ejacular, e de sentir prazer.
Mas quando o caso é algo que extrapola, sou favorável de que se utilize medicamentos
desde que com indicação médica e na dosagem correta para cada caso. É de bom
tom dizer que eu acredito muito no TCC, porque funciona, basta insistir repetir
e ensinar, e com o tempo conseguimos grandes resultados.
Quanto às predileções por joelhos e pernas, são
características extremamente individuais deste sujeito, como podem ter jovens
que gostam de bunda, ou vão olhar para uma menina e vão acha-la linda, outra
nem tanto. Este indivíduo tem peculiaridades, sim, mas é um sujeito como outro qualquer
com as suas predileções e características.
6)
Como
ensinar onde e quando pode pegar no “pipi” para um autista moderado quando ele
se sentir excitado?
Onde nos sentimos mais à vontade para fazer este tipo
de coisa? Quarto ou banheiro! Sala, cozinha, área ou outros locais que são de
passagem comum da família não são locais adequados para se tocar (válido para
autista de qualquer grau), estabelecendo regras através de pictogramas ou da
melhor forma que funciona com o seu filho, ensinando sempre que deve ser feito
em lugar privado.
Muitas vezes a excitação é reflexa diferentemente de
uma questão sexual, podendo ser pela vontade de urinar ou por encostar em
alguma coisa (sensorial), estimulando sempre que nesses casos a criança,
adolescente ou adulto busque um local adequado para que isto passe. Por
exemplo: se algo deste tipo acontece na praça de alimentação de um shopping,
deve-se estimular o sujeito a buscar o banheiro, sempre com autonomia, e sem
que ninguém o toque, obedecendo sempre à pessoa de referência, geralmente, pai
e mãe, e se for na escola, a mediadora. Lembrando sempre de que não se trata de
um ato público, lembrando-o de quem pode ou não chegar perto dele, e que nunca
alguém deve tocá-lo intimamente (seja no pênis ou vagina), somente ele deve se
tocar, até mesmo para prevenir situações de abuso.
É importante utilizar sempre termos claros e técnicos
(como pênis e vagina). Na hora da higienização, utilizar termos como pequenos e
grandes lábios (no caso das meninas), clitóris, etc. explicando o que é cada um
deles, e esclarecendo que aquele é um local de prazer, mantendo a abertura
destes assuntos em casa, já que se isto não for feito, pode ser que alguém que
não pertence à confiança da família, chegue a explorar isto de uma forma não
saudável, lembrando da possibilidade de abusos. Os autistas são um público
vulnerável, principalmente aqueles que são não-verbais.
Tratando-se de metodologia, devemos sempre optar pelo
concreto, mostrando figuras (buscar materiais estruturados que desenvolvam as
ações próprias daquele sujeito, como imagens abaixando a roupa, se tocando ou
tomando banho, por exemplo) e assinalando a voz de comando em seguida,
ensinando sempre “onde” e “quando” adequando-se à idade de cada um, iniciando
com o uso de PECS, história social, apoios visuais e quadro de rotina.
7)
Como
e com qual idade introduzir o diálogo sobre sexualidade com as crianças
autistas?
Como foi dito anteriormente, e é de suma importância
reforçar, deve-se abordar sobre a sexualidade desde a infância, já que todos,
sem exceção, vieram ao mundo pela via sexual. Da mesma forma que abordamos
diversas situações, como ir ao banheiro, dar descarga, trocar de roupa, dar
“oi”, etc. devemos abordar a questão da sexualidade com seu devido cuidado. O
que não fazemos é falar de sexo.
Deve-se falar sobre a sexualidade a partir do momento
que for necessário. E falar sobre o assunto não significa sexualizar as ações
do sujeito, mas todo sujeito possui sexualidade.
O jovem autista de médio e alto funcionamento pode ser
instruído verbalmente da mesma forma que fazemos com adolescentes típicos.
Essas instruções que vem dos orientadores sexuais (pais, sexólogo, família,
professores, pessoa de referência) devem ser assimiladas pelo sujeito,
iniciando-se sempre do mínimo para o máximo; se uma menina precisa saber sobre
menstruação primeiro, fala-se disto com ela primeiro, primando pelas
informações necessárias e dando materiais concretos para maior compreensão, não
começamos falando sobre namoro, beijo na boca ou relação sexual, focamos no
evento fisiológico [menstruação]. No consultório eu mostro um absorvente bem
suave, de algodão, passo corante vermelho, e mostro como fica, em casa deve-se
mostrar o local correto de colocá-lo na calcinha, como prender e como deve
ficar, colocar na menina (para que ela possa compreender como é utilizar o
absorvente), ensinar quando deve ser trocado (explicando sobre as bactérias e
cheiros). Estas dicas para autistas de médio e alto funcionamento são de grande
importância e tem grandes chances de compreensão total.
8)
Como
devemos agir quando uma criança de 10 anos, que já pode estar se descobrindo
sexualmente, e fica se estimulando? Quando saber qual o momento de permitir e
até mesmo ensinar a criança a se masturbar?
A masturbação é um ato normal, porém é de cunho
privado e que deve ser feito dentro de um local privado.
A masturbação feita em local público não pode ser permitida,
mesmo que dentro de casa (em locais de circulação comum). Como já foi dito,
deve ser um comportamento que o adolescente/criança realize em locais privados,
como o próprio quarto ou banheiro, em horários específicos.
O termo “permitir” é muito profundo ao se tratar deste
tipo de comportamento, dando a entender que pode ser errado, e a
criança/adolescente pode se privar disto em outro momento, o que pode ser
prejudicial, já que ao impedir a masturbação estamos afetando o desenvolvimento
sexual do indivíduo, e consequentemente a concepção de gênero. Então é preciso
analisar quando este comportamento está em excesso e oferecer outras opções de
atividades para redirecionar a energia dele. Em algum momento ele poderá se
masturbar, por isso é importante estabelecer combinados de locais e horários
com o foco dividido entre outras atividades. Deve-se entender que eles têm a
necessidade desse autoconhecimento e desse prazer, e saber lidar com isso sem
reprimir a sua sexualidade.
A forma de ensinar como e quando fazer, já foi explicada anteriormente, mas é
importante lembrar que toda a explicação sobre o assunto deve ser dada com
bastante cautela, ensinando sempre as posições a serem adotadas para a
masturbação (meninos em pé, e meninas sentadas em locais adequados que não
permitam infecções por bactérias), qual o movimento deve ser feito (no caso das
meninas, explicar que não pode introduzir objetos ou os dedos para não se
machucar), como deve lubrificar (evitando o toque seco, para os meninos; e
pensando sempre em manter as unhas das meninas aparadas, para evitar arranhões)
prezando sempre pelo bem estar da criança/adolescente e orientando as técnicas,
locais e horários adequados. Não se deve ater o foco à masturbação, mas o
assunto deve aparecer.
9)
No
caso de o pai não ser presente na vida da criança como a mãe pode abordar sobre
o tema sexualidade ou masturbação com o menino autista não verbal?
O primeiro aspecto é saber se a mãe está preparada
para abordar o assunto da sexualidade.
Quando se fala de sexo é preciso ter segurança no que
está sendo dito e estar bem com a sua própria sexualidade. Então se a mãe não
se sente à vontade para abordar este assunto com o filho, é importante contar
com o apoio de um profissional ou alguém do núcleo familiar que aborde esta
questão com seriedade: alguém da equipe que trabalha com a criança/adolescente,
ou tios, primos e pessoas próximas, que estejam preparadas e tenham conhecimento
sobre o assunto, para oferecer o treinamento passo-a-passo, não dando muitas
informações, apenas as necessárias, que geram segurança, para que ele não pense
que aquilo é errado, e saiba onde e quando fazer.
10)
Como
uma criança autista não verbal pode se defender de abuso sexual?
A criança pode aprender a se defender através de
regras que são passadas desde cedo de forma bastante concreta. Primeiramente é
preciso ser proativo para ensinar e não o deixar ter uma visão distorcida
através de outras pessoas, portanto é preciso que a família pense em todos os
aspectos que rodeiam a criança.
Independente do grau do autismo, as crianças
apresentam ingenuidade nas suas ações, devido à própria natureza do espectro,
tornando-os um grupo vulnerável a abusos, portanto é preciso anteceder este
tipo de ataque. A partir disto é preciso organizar as regras a serem seguidas:
Utilizar termos técnicos (falar pênis/vagina); ensinar a se masturbar somente
em locais privados (em seu próprio quarto, no banheiro, ou em qualquer local
que ele não possa ser observado); não permitir que outra pessoa o masturbe,
sempre redirecionando o comportamento inadequado.
11)
Ensinar
um adolescente autista se masturbar com as mãos não vai fazer com que ele
queira fazer isso em qualquer lugar?
Não vai fazer isto em qualquer lugar, pois você aderiu
às regras. Antes de ensinar como masturbar utilizando as mãos e as regras
aplicadas ao ato em si, haverá um trabalho específico sobre o que é
masturbação, o que é o toque, o que acontece quando ele se masturba (ele vai
ejacular, e sai um liquido viscoso, pegajoso, branco, que tem um odor forte),
para que serve o liquido que sai do pênis; portanto há uma construção do
pensamento para explicar que a união do espermatozoide com o óvulo vai gerar um
novo ser humano. Então é importante explicar tudo o que há envolvido por trás
da masturbação com as mãos, pois ele pode machucar o pênis, na tentativa de
chegar ao prazer. Há casos de adolescentes com limitações sensoriais que não
conseguem levar o toque adiante, então o nosso papel é dar os instrumentos
adequados (o ensino) para que esse toque seja mais prazeroso, para que ele
chegue até o final, e perceber como o cérebro dele reage a esta percepção do
orgasmo.
Com as explicações necessárias e colocando as regras,
não fará com que isto se torne mais frequente [muito pelo contrário], pode até
que ser que o comportamento reduza a partir das instruções, pois ele se tocará
e chegará ao orgasmo de forma correta, conseguindo dosar e saber a hora certa
de fazer.
12)
Você
indica o uso de vagina artificial?
Sim, eu indico uso da vagina porque muitos não vão
conseguir usar as mãos (mesmo que tentemos ensinar), podendo usar almofadas,
quina da cama, sofá ou qualquer outro lugar que promova uma textura
interessante, mas que podem machucar. Já a vagina artificial não machuca, pois
vai ser lubrificada (a base de água, como KY), e ali será introduzido o pênis.
Como nos outros processos, isto deverá ser ensinado através de figuras
(pictogramas) ou orientações verbais, dependendo do grau do autismo. Eu indico
que a vagina seja o mais real possível. Também indico o uso de revistas
masculinas bem escolhidas (sem uso de fotos que coloquem a mulher numa posição
de submissão, com fotos bonitas, sem mostrar vagina ou pênis reais, mas dando a
entender o que se encontra ali), de lubrificantes e filmes (desde que com soft
porn).
Eu acredito que o corpo do outro deve ser apresentado
aos adolescentes, mas é imprescindível manter o respeito ao corpo do outro,
fazendo uso de revistas que mostrem os formatos da mulher, mas não de forma
ginecológica; ou usar filmes que contenham estórias, e que não vulgarizem os
corpos masculinos e femininos. É preciso tomar estas precauções porque pode
gerar repetição/imitação, mesmo com a deficiência do neurônio espelho. Então se
o adolescente passa a ver que o homem pode ejacular na boca, no rosto ou no
cabelo da mulher, e isto passa a ser uma regra, pode ser que não estamos
alcançando os objetivos de ensino claramente.
Algumas questões em relação ao TEA, eu acredito que
devam ser tratadas de forma heteronormativa, por questões associadas à
construção psicológica da sexualidade. O que nos leva a refletir sobre como
deve ser feita a construção de gênero.
Eu acredito, como profissional, que a construção de
gênero, no autista, deve se dar a partir do sexo designado a ele no nascimento,
de forma heteronormativa. Se posteriormente, no ensino médio ou na faculdade,
ele venha a descobrir que é bissexual, homossexual ou transgênero, então
devemos tratar isso na sua particularidade, quando isto acontecer.
Primeiramente devemos nos concentrar na sua interação pessoal (conhecer o seu
próprio corpo, os seus sentimentos, seus próprios pensamentos e a forma como se
apresenta no mundo).
13)
Quais
as estratégias para lidar com o início da sexualidade em pré-adolescentes
autistas?
Eu trabalho na linha comportamental, então vou trazer
técnicas neste segmento, estabelecendo a educação sexual, tanto para os verbais
quanto para os não-verbais.
A primeira é a resolução de problemas, principalmente
para autistas leves, podendo se estender a médios: É preciso estabelecer quais
problemas estão sendo enfrentados, e estabelecer objetivos a serem alcançados,
juntamente com a criança, avaliando qual a eficácia do autista em resolver
isto, testando o conhecimento e o questionamento socrático dele sobre este
problema (Qual é o problema? Qual o significado que este problema tem em sua
vida? Qual a resposta ás possíveis respostas para esse problema? E qual a
solução?). Sempre passando pelo treino das habilidades sociais.
Tomada de decisões é extremamente importante no que
diz respeito ao TCC, então eu peço para o meu paciente que classifique
vantagens e desvantagens de cada contexto considerado dentro da sessão. Esta é
uma intervenção muito simples feita a partir da consideração quanto à
dificuldade na tomada de decisões, típica do autismo, levando em consideração a
autonomia deste sujeito.
Para estimular a tomada de decisões e melhorar a
ansiedade é importante promover o relaxamento da criança através de técnicas
como massagens, expansão do ar na região torácica, levar o ar à região
abdominal, promover um ambiente organizado e estruturado, objetos de
relaxamento da mão (bolinhas sensoriais e de vibração), carrinhos de massagem,
etc.
Roleplaying/ Dramatização: É uma técnica de
dramatização utilizando a criação de personagens fictícios no intuito de
ensinar uma habilidade, tratando todo o momento como brincadeira e de forma
lúdica.
Cartão de enfrentamento: Muitas vezes eles têm
questões relacionadas ao TOC (Transtorno obsessivo compulsivo) e ao TOD
(Transtorno opositor desafiador), então é importante ter cartões de pensamento,
como o Baralho das emoções, dos pensamentos e das atividades sociais, fazem
parte da terapia comportamental e devem servir de objetos de instrumentalização
para os pais e para os pacientes.
Reforço por símbolo: É feito através de um pictograma
positivo demonstrado por uma ação ou por uma estrela, para reforçar
positivamente determinada ação da criança.
Reforço tangível: Pode-se reforçar positivamente
através do abraço (excelente método para liberar oxitocina), cosquinha,
presentes (é importante observar que presente precisa ser ponderado,
estipulando datas para isto), brinquedos, etc.
14)
Deve-se ensinar ao adolescente com autismo
moderado ou severo a forma correta de se masturbar? Como evitar que ele faça em
lugar inapropriado?
Se for uma demanda deste adolescente, deve-se ensinar
sim.
Para evitar que ele faça isto em local inapropriado
deve-se seguir as orientações que foram ditas até agora, lembrando-se sempre de
dar apoio visual e reforçar positivamente.
15)
É
recomendável dar remédios para minimizar os efeitos hormonais e
consequentemente manifestações sexuais?
Na minha visão, de sexóloga, não se deve utilizar
medicações com este objetivo. É recomendado quando a questão da sexualidade
foge ao controle em autismo de grau severo.
16)
Para
as meninas, quando chegam a fase do ciclo menstrual, como orientar? Como
ensinar a se cuidar? É recomendável dar medicamentos para não menstruar?
Em alguns casos é indicado o uso de medicamentos ou
implantes para interromper a menstruação, principalmente se o comprometimento
for muito grande. Até mesmo por questões de higiene e de asseio. Mas é uma
forma de construção feita a partir da conversa com o médico da menina.
A orientação quando aos cuidados com a menstruação é
feita através de estímulos visuais, mostrando absorventes, pintando-os,
demarcando o local adequado na calcinha (com vermelho), mostrando como tira a
adesivação, pedindo que ela o faça, etc. Eu recomendo o uso de absorventes de
algodão, com aba.
Para ensinar a se cuidar, também indico o uso de
pictogramas de ações, valendo para as autistas leve e médio. Já as meninas
graves, tem uma dificuldade maior quanto à higiene e aos odores, mas pode-se
trabalhar bastante estas questões com elas, e se não for observado que isto
está progredindo bem, pode consultar um médico para a prescrição de um
medicamento que interrompa a menstruação.
17)
Quando
a criança na escola demostra sono (como fuga da atividade proposta já q o mesmo
não dorme mais de dia) como proceder?
Provavelmente esta atividade não está chamando a
atenção dele. Mas não vejo um grau de dificuldade. Pode-se propor uma mediação
com a escola para observar as motivações para isto estar acontecendo, e
encaminhar para a sala de recursos, observando todas as peculiaridades do
autistas para observar o que será trabalhado através do PEI (Plano Educacional
Especializado).
18)
Quando
o autista é calmo, mas se irrita, às vezes, com a mediadora ao fazer atividade pedagógica
na escola tentando bater nela e outras chorando como deve-se agir no momento?
Contê-lo e insistir? Esperar um pouco e
depois retornar atividade?
O profissional deve contê-lo no momento em que ele
está representando um risco para si, ou para a monitora, tentando segurar as
mãos, aguardando um tempo para ele se reorganizar, utilizando técnicas de
relaxamento, como músicas, respiração, carinho, abraço, etc.
Quando um autista apresenta heteroagressividade, é uma
forma de sinalizar que ele não quer fazer determinada atividade, e que precisa
de um tempo, podendo ser até mesmo uma forma de dizer que está recebendo
estímulos demais.
19)
Por que é comum o autista entrar na puberdade
precocemente?
É muito comum que o autista entre na puberdade
precocemente, por razão do processamento sensorial dessas crianças. O que não
significa, necessariamente, que o nível hormonal esteja maior, mas sim que há
peculiaridades referentes às questões sensoriais, neurológicas, monofuncionais
e psicológicas.
Cerca de 80 a 85% dos autistas entram na puberdade
precocemente.
20)
Como
ensinar um autista a namorar?
Através do treino de habilidades sociais pode-se
ensinar as noções de empatia, afeto, carinho, respeito ao espaço do outro,
relações afetivas, etc.
Geralmente as crianças/adolescentes apresentam certo
interesse e curiosidade sobre o assunto, e passam a expressar isso,
representando um rito de passagem.
É importante ele perceber, também, que pode haver
rejeição por parte do outro, como acontece com todos nós.
21)
Se
a criança autista gosta de abraçar a mãe e se excita com isso, devemos conter?
Quando se trata de um autista leve, deve-se orientar
quanto ao assunto, da mesma forma que especificado anteriormente, apontando que
não se deve tocar desta forma na mãe, na irmã ou em qualquer outra pessoa, a
não ser que a pessoa permita, e isso vai acontecer na hora que ele tiver idade
adequada para o namoro, pois é comum que a criança se excite com o toque, e
determinadas roupas facilitam que isto aconteça, por exemplo, roupa fitness ou
com texturas diferentes.
É importante que contenha o avanço deste tipo de
excitação, relembrando que há várias formas de redirecionar este sentimento,
para que não tome uma proporção maior, e nunca se deve incentivar este tipo de
comportamento
22)
Se
o autista não gosta de toque, ele sente vontade de beijar e abraçar?
Depende muito. Pois existem autistas que não gostam do
toque e escolhem momentos específicos para nos beijar e abraçar, então nestes
momentos estes comportamentos podem ser reforçados positivamente.
23)
Como
seria um relacionamento autista adulto? Tem alguma experiência sobre isso?
Eu sou casada com um homem autista de alto
funcionamento que foi diagnosticado aos 18 anos por um psiquiatra e nós
começamos a namorar quando ele tinha 22, mas eu já era formada em psicologia e
notei alguns traços que me conduziram à questão de um autismo leve. Isto não
nos impediu de nada, e hoje temos 14 anos de relacionamento.
Nós não temos filhos, mas isto não diz respeito ao
espectro do meu marido, mas sim à minha condição de esterilidade. Portanto não
temos nenhum medo de que venha uma criança no TEA, mas as condições que nos
cercam não nos permitem ter filhos.
O casamento na condição do TEA, eu vejo como um
presente, já que esta é uma questão que sempre esteve ao meu lado. A primeira
vez que eu ouvi a palavra autismo eu tinha 3 anos e uma mãe falou com a minha
que eu era a única criança que brincava com o filho dela que tinha autismo. Na
faculdade, o meu primeiro trabalho foi sobre o autismo, pois ninguém queria
falar sobre o assunto. Numa cirurgia, posteriormente, dividi um quarto com uma
menina autista. Então desde a faculdade, quando ainda estava escolhendo a minha
linha de abordagem e de trabalho, já me interessava bastante sobre o autismo,
então falar sobre o assunto é uma coisa muito natural e muito presente na minha
vida. Também, desta mesma forma, falar sobre sexo e sobre a rotina que me
rodeia, é muito natural e muito gratificante.
Então, me atendo ao casamento, tenho muita
tranquilidade em dizer que o sexo e o que gira em torno dele são aspectos muito
tranquilos do meu relacionamento, mas é claro que o casamento não gira em torno
do sexo, em sim companheirismo, afeto, fraternidade, empatia, conhecimento,
intimidade, falar sem ter receio de como vai ser compreendido, e é um
aprendizado constante.
Os relacionamentos que eu vejo de amigos próximos que
tem autismo, também são conduzidos desta forma, e são bem-sucedidos, sem dever
nada àqueles que são neurotípicos.
Obs.:Esquema corporal: Existem formas de trabalhar o
esquema corporal com crianças e adolescentes, como o uso de desenhos em tamanho
real. Existe um material feito em papelão grosso que imita o corpo, com braços,
pernas, cabeça, pescoço, podendo estar com roupa ou não, mostrando o corpo nu e
ajudando na atividade estruturada. Também existem diversos brinquedos no
mercado que apresentam as mesmas modalidades de uso para apresentação de
esquema corporal.
Para falar de sexo é preciso que eles saibam como é o
corpo deles. A partir da pergunta “Por que eu não devo me tocar? ”, é preciso
refletir como será dada esta explicação, e a escola deve agir como uma
ferramenta de trabalho colaborativo na estruturação destes conceitos. O método
TEACHH é utilizado no espaço pedagógico, e é importante abordar o assunto da
sexualidade estruturado pedagogicamente, ensinando a tomar banho da forma
correta, a se masturbar (quando, onde e como), compreendendo as partes do corpo
(a totalidade de suas capacidades) e abordando a sexualidade, por exemplo,
ensinando a se masturbar durante o banho, fazendo uso de instrumentos presentes
no banheiro, como sabonete líquido, e colocando quadros ilustrativos naquele
espaço.
Nós agradecemos imensamente a disponibilidade da
Luciana de nos ceder esta entrevista maravilhosa sobre um assunto que muitas
vezes é tabu na nossa sociedade, descrevendo tudo o que gostaríamos de saber de
uma forma leve e didática.
Para quem quiser entrar em contato com a Luciana:
luhfernandes2012@gmail.com
21 98070-9408