terça-feira, 23 de maio de 2017

Café com Conhecimento: Entrevista com a Nutricionista Maria Rosa Etcheverry


Hoje o café com conhecimento tem o prazer de receber a nutricionistaMaria Rosa Etcheverry Centeno Rodrigues, Nutricionista - CRN10 1635, especialista em Nutrição Clínica Funcional , Nutrição Ortomolecular e Fitoterapia Funcional







ENTREVISTA:

1. Quais são os corantes e conservantes que devemos evitar?

* Todos os aditivos químicos alimentares devem ser evitados, como os corantes, os conservantes e os aromas artificiais. Dentre eles: Nitratos encontrados nos alimentos embutidos; BHT, BHA encontrados em muitos produtos, desde polpas de frutas, água de coco de caixinha, biscoitos, cereais matinais, até carnes e óleos de cozinha; Sulfitos nas frutas secas e frutos do mar; Benzoatos em produtos variados; Metabissulfitos; Propionatos; Glutamato monossódico, usado como realçador de sabor em diversos alimentos especialmente temperos prontos, molhos e chips; a Gordura vegetal (TRANS ou interesterificada) encontrada nas margarinas, nos sorvetes, biscoitos, produtos de panificação; e por fim, todos os adoçantes artificiais (diet e zero), como aspartame, ciclamato, sacarina, acesulfame, neotame e sucralose.
* É importante ficar atento a todos os ingredientes do rótulo e não somente aos dizeres na frente da embalagem que muitas vezes escondem informações do consumidor.


2. Dentre as opções disponíveis no mercado, qual o melhor adoçante para substituir o açúcar? Xilitol e sorbitol causam diarreia por aqui. Poderia usar eritritol e maltodextrina? Stévia pode fazer mal?

* Sempre falo para os meus pacientes que o ideal é não utilizar nenhum tipo de adoçante, especialmente em crianças pequenas, para criar desde cedo o hábito saudável do sabor natural dos alimentos. O ideal é adoçar com frutas, canela e baunilha natural. Quanto mais adoçamos as preparações, mesmo com adoçantes, mais vontade teremos de comer alimentos doces, pois provocamos maior estímulo dos receptores do sabor doce nas papilas gustativas presentes na língua. Já sabemos do impacto do consumo de adoçantes artificiais no organismo, dentre eles, maior risco de obesidade, diabetes e síndrome metabólica, desencadeado por alteração da microbiota intestinal. No entanto, não sabemos ao certo qual impacto a longo prazo do consumo precoce e excessivo dos adoçantes naturais no metabolismo do individuo.
* Os adoçantes naturais que temos mais segurança no uso são os polióis, derivado de vegetais, como xilitol e eritritol, mas que podem causar efeito laxativo dependendo da sensibilidade individual e da dose utilizada. A stévia e a taumatina também podem ser usadas, em pequenas quantidades pois possuem um potencial edulcorante muito alto comparado ao açúcar, estimulando muito o paladar para o doce. É importante procurar marcas que contenham somente stévia, sem adição de outros adoçantes artificiais ou de lactose e maltodextrina, além de outros conservantes.
* Maltodextrina não é um adoçante e sim um açúcar de altíssimo índice glicêmico e que já foi associado em estudos com aumento de inflamação intestinal.


3. Qual o melhor tipo de panela?

* Hoje sabemos que as panelas podem transferir para o alimento os elementos químicos e substâncias nocivas dos materiais dos quais são produzidas, como o alumínio, o cobre, os revestimentos antiaderentes quando danificados... A grande maioria das panelas libera algum elemento na cocção. As menos tóxicas são as
panelas de pedra sabão, que liberam alguns minerais interessantes como cálcio e magnésio; as panelas de cerâmica pura, vidro, as esmaltadas e de aço cirúrgico, que são menos porosas e transferem menos substâncias para os alimentos. As panelas de ferro podem ser interessantes em alguns casos, quando existe deficiência desse mineral no organismo. O aço inox é menos tóxico, porém não é considerado atóxico. O interessante é usar panelas variadas para diferentes tipos de cocção e alimentos.


4. Qual melhor tipo de óleo para fritura/ cocção?

* Nenhuma gordura foi feita para ser aquecida, pois alteram sua estrutura e podem formar diversos compostos tóxicos. No entanto, alguns óleos e gorduras são mais estáveis que outros e podemos utilizar para a cocção, de preferência em baixa temperatura e alternando os tipos no dia a dia:
* O Óleo de abacate e o azeite de oliva são os melhores em termos de estabilidade pois são ricos em ácidos graxos ômega 9, mais resistentes ao calor e oxidação:
* O óleo de abacate suporta até 255 graus.
* Azeite de oliva suporta entre 200 e 207 graus. Existem estudos que mostram que a perda dos compostos fenólicos do azeite é de 4% quando aquecido a 190 graus por até 30min.
* Óleo de coco é o que possui menor estabilidade térmica e oxidativa. Ele aguenta somente 160 a 165 graus e em somente 1 fritura já faz formação de acrilamidas.
* O óleo de palma é rico em gordura saturada, proveniente do refino do óleo de dendê, a parte externa (endocarpo) do fruto. É muito estável à cocção e quase não forma acrilamidas, porém tem um perfil nutricional muito ruim. Possui um alto potencial aterogênico e hipercolesterolêmico, aumentando LDL-colesterol, sem aumentar o HDL-colesterol.
* As gorduras animais, como a manteiga clarificada para quem pode usar esse derivado lácteo e a banha de porco caipira são uma ótima opção. A banha quando proveniente de um animal criado solto e que não recebe ração (rica em ômega 6), terá um teor maior de gordura saturada e pode ser utilizada também para cocção, de maneira controlada e alternando com os outros tipos de óleos e formas de cocção.
* O importante é evitar os óleos refinados (como canola, soja, milho, girassol) pois, além de serem transgênicos, são refinados, o que gera gordura TRANS pelo processo de isomerização da estrutura do óleo. Todos eles, especialmente o óleo de girassol, são ricos em ácidos graxos ômega 6, que em excesso são pró-inflamatórios. A nossa alimentação ocidental já é bastante rica nesse tipo de ácido graxo. E por fim, a embalagem plástica nas quais os óleos são armazenados leva à transferência de componentes tóxicos para o óleo, como os bisfenóis, ftalatose dioxinas.

5. Fritadeiras elétricas sem óleo (tipo airfrayers) são indicadas?

* Todo processo de cocção em altas temperaturas, seja a fritura em imersão, a fritura sem óleo, e o assar no forno, na grelha ou churrasqueira, irá formar compostos tóxicos no alimento, especialmente quando ganham aquele aspecto dourado, formado no processo de caramelização do alimento. Os mais conhecidos e estudados são as acrilamidas e os AGEs que são produtos de glicação avançada. Esses compostos, quando consumidos em altas quantidades e frequência são tóxicos para o nosso organismo. Existem estudos relacionando esses compostos com câncer, envelhecimento celular e neuro-inflamação.
* Quanto maior o tempo e a temperatura que alimento fica exposto ao calor, maior é a formação desses compostos. Quando mais escurecido ou queimado o alimento, seja o pão, bolo, biscoito, granola ou carnes, mais prejudicial se torna. Portanto, cozinhar por menos tempo, em menor temperatura e utilizando também outras técnicas de cocção como o cozido no vapor e o ensopado tornará a dieta mais equilibrada e menos inflamatória.



6. Polpas de frutas podem ser usadas?

* A maioria das polpas industrializadas contem conservantes artificiais e são pasteurizadas para o controle higiênico sanitário. O aquecimento por pasteurização leva à perda de muitos nutrientes antioxidantes, especialmente a vitamina C, que é bastante sensível ao calor e ao oxigênio. Os sucos de caixa tetra-pack e garrafas que têm validade longa sem refrigeração, também passam pela pasteurização ou ultra pasteurização (UHT), por isso muitas vezes não necessitam de conservantes. No entanto, também não possuem valor nutricional interessante.
* O suco fresco, preparado na hora é sempre a melhor opção, mais rica em vitaminas e antioxidantes, sem aditivos químicos. Pra quem deseja praticidade, pode congelar em casa as frutas inteiras e higienizadas, como frutas vermelhas, morango, uva, maracujá ou fatiadas, como abacaxi, manga, coco ou preparar uma polpa caseira e congelar em forminhas de gelo.

7. Devemos germinar grãos?

* A germinação é uma ótima forma de aumentar a biodisponibilidade dos nutrientes dos cereais e leguminosas e melhorar o processo digestivo. Reduz muito os desconfortos intestinais em pessoas mais sensíveis.

8. O uso de probióticos é indicado para leaky gut?

* Sim. Os probióticos sempre são recomendados como adjuvantes no tratamento da disbiose intestinal e dos processos alérgicos e inflamatórios. O leaky gut é um termo que se refere ao aumento da permeabilidade intestinal. A tradução seria intestino que vaza, pois existe um dano na barreira da mucosa intestinal que é a principal proteção contra a entrada de substâncias indesejadas na nossa corrente sanguínea, como alimentos mal digeridos, toxinas ambientais e da própria microbiota intestinal. O leaky gut está associado à disbiose, que é o desequilíbrio da microbiota intestinal, por aumento de fungos ou bactérias nocivas, também pelo uso de antibióticos, de alimentos alergênicos e de baixa qualidade nutricional, e o excesso de aditivos químicos alimentares, como conservantes e adoçantes artificiais.

9. Kefir é recomendado para crianças no espectro? Kefir pode substituir probióticos?

* Sim, o kefir pode ser utilizado para as crianças, mas deve ser de boa qualidade e procedência, pois existe grande chance de contaminação dessa colônia de bactérias e fungos benéficos por má higiene no uso. Pode ser feito com água, leites vegetais e sucos.
* Não só o kefir, mas todos os alimentos e bebidas fermentadas são excelentes para auxiliar na saúde intestinal e imunológica. Mas, como todo alimento, pode
não fazer bem para alguns indivíduos sensíveis e deve ser avaliado o seu uso individual.
* O kefir pode ser usado concomitantemente ao uso do probiótico ou para manutenção da saúde intestinal após a terapia com probióticos, para manutenção, ou pode ser uma estratégia mais barata e de fácil acesso caso o indivíduo não consiga fazer uso de suplementação.

10. Qual o melhor antifúngico natural?

* Existem diversos alimentos com propriedades antifúngicas e bactericidas para auxiliar no tratamento da disbiose intestinal. Que podem ser incluídos no dia a dia. Dentre eles temos o alho cru, a cebola, o óleo de coco que é rico em ácido caprílico, o orégano concentrado, sementes de grapefruit (toranja) e outras frutas cítricas como laranja, tangerina, limão, semente de melão e abóbora que também possuem ação anti parasitária além de algumas outras plantas fitoterápicas.


11. Soja faz mal para meninos?

* A soja é uma leguminosa, da família do feijão, com alto valor nutricional e protéico, no entanto possui uma digestibilidade e biodisponibilidade baixa dos nutrientes pois é rica em fitatos e oxalatos, substância que dificulta a absorção de alguns minerais, mas que podem ser amenizados pela técnica de preparo. No entanto, ela não é recomendada para os indivíduos autistas alérgicos, devido a alguns fatores:
* Possui alto potencial alergênico, semelhante ao glúten e ao leite,
* É transgênica e extremamente contaminada por agrotóxicos (Roundup Ready),
* Possui fito-hormônios como as isoflavonas, contra indicadas para crianças, especialmente meninos pequenos, podendo alterar o desenvolvimento sexual e causar infertilidade,
* Pode desequilibrar a função da glândula tireóide,
* Possui efeito opióide (soymorfin), como glúten e leite, podendo gerar alteração de comportamento e sensibilidade à dor.


12. Quais os tipos de sal que podemos usar?

* Existem diversas opções de sal no mercado. O ideal é que não seja processado, como o sal refinado, que possui um teor menor de minerais e carrega as substâncias químicas nocivas usadas no seu branqueamento.
* Dentre os sais não processados, ou brutos, temos o sal marinho (que pode conter até 80 minerais com propriedades alcalinizantes), o sal do Himalaia ou rosa, que possui essa cor pela composição de minerais do solo que é extraído, como ferro por exemplo. O sal rosa é interessante por conter menos sódio que o marinho. Possui 230mg de sódio enquanto o marinho possui 420mg. Existem outros tipos de sais brutos que podem ser usados como o sal marinho grosso, a flor de sal brasileira, o sal negro, o sal do Hawai e o sal celta, etc

13. Que a dieta SGSC é importante não tenho dúvidas. O que eu gostaria de saber é se essa dieta pode ser relaxada de vez em quando, se a criança estiver num patamar considerada como recuperada? Existe a possibilidade de se manter a dieta SGSC no dia-a-dia e comer algo com glúten e/ou caseína em um evento especial sem prejuízos, sem necessidade de usar artifícios para diminuir impactos como enzimas, carvão
ativado, dentre outros? A criança que sai do espectro deve manter a dieta, mesmo sem reações com glúten e leite?

* É uma questão individual e de conduta profissional. Na minha conduta, algumas crianças, quando fora do espectro, e que têm o intestino curado - sem disbiose intestinal, ou alergias - quando escaparem da dieta, se não houver reação, não há problemas. Porém é importante manter a dieta no dia-a-dia. O uso das enzimas pode ser importante caso haja desconforto digestivo, ou se está iniciando a introdução do glúten e do leite.

* Se a criança teve boa evolução na dieta, considero importante manter a criança com os mesmos cuidados alimentares, mesmo que não tenha mais reações. No entanto, se a criança já está fora do espectro autista e/ou corrigiu totalmente os sintomas digestivos e inflamatórios, e, além disso não reage mais ao escapar da dieta esporadicamente, o retorno gradativo pode ser feito com acompanhamento nutricional e muito cuidado e observação, pois pode haver regressão tardia do quadro, com o retorno dos alimentos pró-inflamatórios.


14. O que é dieta GAPS? O que é dieta do carboidrato específico? Qual a sua indicação?

* A dieta do Carboidrato Específico foi idealizada por Elaine Gotschall para tratamento de doenças inflamatórias intestinais (Colite ulcerativa e Crohn), e posteriormente popularizou-se para o autismo por conta da alta prevalência de má digestão de carboidratos, disbiose e inflamação intestinal nesta população. Tem como indicação a digestão insuficiente dos carboidratos que necessitam digestão, polissacarídeos e dissacarídeos (amidos e açúcares), em geral secundária à inflamação da mucosa intestinal. Esses carboidratos mal digeridos no intestino passam a alimentar a microbiota intestinal, especialmente de fungos/leveduras, como a cândida, criando um ciclo vicioso de disbiose, inflamação da mucosa intestinal, má digestão e absorção de nutrientes. 


* A Dieta GAPS (Gut And Psychology Syndrome) é uma variação da dieta do carboidrato específico, com ênfase na conexão intestino – cérebro, reformulada pela médica neurologista e nutróloga: dra Natasha Campbell-Macbride. É indicada para tratar a disbiose e inflamação intestinal frequente em indivíduos com autismo, TDAH, esquizofrenia, depressão, TOC, bipolaridade... Ela também exclui os carboidratos complexos e dissacarídeos (açucares: lactose, sacarose e galactose), mas enfatiza o uso de caldos caseiros e alimentos fermentados para reparo das funções digestivas e redução da inflamação intestinal.


15. O que é melhor para alergia: testes IgG ou IgE? Existe algum indicador laboratorial que possa indicar um ou outro?
* O ideal é avaliar todas as alergias. As imunoglobulinas do tipo IgG estão relacionadas, entre outras coisas, às hipersensibilidades alimentares, também conhecidas como alergias tardias, e geralmente os sintomas são crônicos: alergias, inflamações e infecções de repetição, como sinusite, rinites, infecções urinárias, dores de cabeça, alteração de sono, problemas de comportamento e atenção... Já os anticorpos do tipo IgE estão mais relacionados às alergias imediatas, com ação da histamina, e podem causar reações agudas e rápidas, como edema, vermelhidão, coceira, manchas na pele. As duas devem ser
consideradas para análise. O indicador laboratorial é clínico, investigando os sintomas e as necessidades de se avaliar as IgE’s e IgG’s.

16. Qual sua opinião sobre dieta de rotação? Quais exames a indicariam?

* A dieta de rotação evita a exposição frequente a uma mesma proteína alimentar todos os dias. Ela é indicada classicamente para indivíduos que são muito alérgicos, pois a diminuição da exposição a um mesmo antígeno diminui o processo inflamatório gerado por aquele alimento e melhora a tolerância do indivíduo ao alimento que é sensível. Porém a dieta de rotação mais flexível para pessoas menos alérgicas é também uma forma de se evitar as sensibilidades alimentares. A monotonia alimentar é sempre indesejada, tanto do ponto de vista alérgico quanto pela redução da variedade nutricional.

17. Na sua opinião, no geral, qual a melhor dieta para autistas?

* Na minha opinião a melhor dieta é aquela que permite o funcionamento adequado do organismo, reduzindo os processos inflamatórios e oxidativos causados por uma alimentação desequilibrada ou errada para aquela pessoa. Então, sempre será individualizada e partindo do pressuposto de que seja saudável, livre de químicas nocivas e adequada em nutrientes. No entanto, existem alguns alimentos que são conhecidos por causarem mais processos alérgicos e inflamatórios à maioria das pessoas, especialmente indivíduos sensíveis como os autistas. Tanto os estudos quanto a experiência clínica nos mostra que indivíduos autistas possuem sensibilidade aumentada a glúten, leite e soja, e um dos motivos está relacionado à interferência química cerebral dos opióides gerados na digestão dessas proteínas. Além disso é importante eliminar os corantes e conservantes químicos e eliminar ou evitar o açúcar, pois geram desequilíbrio na microbiota intestinal, afetando a relação intestino-cérebro. Alimentos orgânicos sempre que possível e uma dieta equilibrada nutricionalmente. Outras sensibilidades devem ser investigadas individualmente. É muito importante que essa reeducação alimentar seja feita com toda a família.

18. Crianças com indício de pré-diabetes, em dieta SGSC, o que fazer?


Essa é uma questão individual que deve ser investigada como tal, porém o pré-diabetes indica um processo de resistência insulínica, geralmente relacionado ao grande consumo de alimentos com alto índice glicêmico, refinados e açúcares, o que é bastante comum na dieta sem glúten feita sem orientação adequada. O consumo frequente de alimentos de alto índice glicêmico gera sobrecarga pancreática na liberação de insulina, iniciando um estado pré-diabético.

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Fones: (48) 3224-4829 - (48) 8815-4923
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quarta-feira, 26 de abril de 2017

Café Com Conhecimento - Entrevista com Dr. Paulo Fleury sobre o uso medicinal da Cannabis


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Paulo Fleury Teixeira
Médico de família, especialista em Canabis Medicinal.

O Santa de Casa Faz Milagre teve uma conversa rápida com o Dr. Paulo Fleury sobre o uso dos canabinoides para o tratamento do autismo e da epilepsia, e ele nos agraciou inteligentemente com a sua trajetória de pesquisas e conhecimento sobre o assunto. Espero que gostem deste momento do Café Com Conhecimento tanto quanto nós:
"O que me motivou a buscar esses tratamentos medicinais com canabidiol foi, em primeiro lugar, o tratamento da epilepsia. Pessoalmente, ou em estudos com outros colegas, pude ver resultados muito bons no tratamento da epilepsia, principalmente em crianças, com óleo de Cannabis, tanto no controle de crises convulsivas quanto no desenvolvimento global. Algo inesperado inicialmente, foram as mudanças de tendência no desenvolvimento global, o que já despertava interesse para um eventual tratamento dos déficits de desenvolvimento global.
No Brasil, os profissionais da saúde e os pais tiveram acesso ao Canabidiol através dos estudos sobre a Epilepsia, que recebeu um impacto midiático no que diz respeito ao tratamento das epilepsias refratárias através do óleo de Canabis, e então gerou abertura quanto à institucionalidade (ANVISA): adequação das regras sobre os óleos ricos em CBD e THC.
CBD e THC são os dois componentes ativos mais presentes na planta quando ela sofre um processo de ativação pelo calor (descarboxilação). A partir deste processo ela fica com uma concentração alta de CBD e THC - componentes que têm maior atividade no nosso organismo. O THC é, seguramente, o mais psicoativo e em geral, o mais ativo, e o CBD é menos psicoativo, diferentemente do que algumas pessoas pensam, podendo ter efeitos que induzem à sonolência ou adversidades quando associados a medicamentos psicoativos. Nas plantas comuns, o índice de THC é mais alto do que o de CBD. As plantas com CBD mais alto são raras e utilizadas para fabricação desses óleos que são importados para o Brasil. Os óleos artesanais produzidos e vendidos sem autorização da Anvisa provavelmente contêm teor de THC mais alto, portanto é preciso estar atento.
Uma segunda fonte de informação muito importante para chegar a esta perspectiva, foi entrar em contato com Renato Malcher que é um parceiro intelectual, biólogo, que estuda o canabidiol e seus efeitos no sistema nervoso. Quando do seu estudo,  ele veio a ter um filho autista, passando a se interessar redobradamente pelas terapias dos canabinoides,  e vindo a construir um conjunto de teorias e hipóteses sobre as quais se poderia tratar o autismo com óleo de Cannabis. Ele já havia tentado isso de uma forma instável com óleos artesanais, tendo efeitos positivos, e numa palestra em Brasília, falou sobre teorias que confirmaram os meus pensamentos e estudos sobre o canabidiol. Além de outras fontes que me levavam a esta hipótese, a teoria simplesmente descrita, que me parece muito razoável e consistente, é de que haja uma super excitabilidade neuronal que se associaria a praticamente todos os sinais e sintomas do autismo - ou pelo menos a um grande conjunto deles - e distúrbios associados, como os distúrbios do sono, característico de muitos autistas. Hiperatividade neuronal esta, que me pareceu muito razoável ser tratada com óleo de cannabis que ajuda no tratamento de muitas crianças epilépticas no Brasil (doença que se apresenta em muitas crianças no espectro e que, como mostram diversos estudos, tem relações com o autismo). Hoje, um número que parece seguro e que aparece com muita frequência é de que temos altos níveis de controle das convulsões que é em torno de 30% de eliminação de crianças epilépticas refratários, e no restante há uma melhora escalonada, e pareceu extensível este tratamento em relação ao distúrbio do sono em autistas, na hiperatividade e nos déficits de atenção.
Meu primeiro caso de uma criança autista fazendo tratamento com óleo por um período de 2 anos tinha como principal característica o distúrbio do sono intenso levando a um número de despertares muito grande, próximo de 12 a 20 por noite.  Isso tornava a vida da família muito angustiante, e a mãe, especialmente, estava muito sobrecarregada com esta condição. Após o início do tratamento teve uma melhora progressiva excelente, no que diz respeito ao distúrbio. Hoje, com o uso do Óleo, ela tem, em média, um despertar por noite, e a polissonografia indica uma melhora surpreendentemente positiva: no início, o número era de 129 episódios repetitivos de braços e pernas, de quase despertares ou despertares completos, provocados pela inquietude por atividade epileptiforme e o último exame de polissonografia resultou em um número de 0 atividade epileptiforme ou de movimento repetitivo, apresentando também grandes melhoras nas atividades do desenvolvimento global. Além de desenvolvimento consideravelmente bom no da fala.
A trajetória que me levou ao estudo do canabidiol com grande interesse também se baseia em um conjunto de evidências empíricas importantes como de um grupo de amigos que tem um relato de caso histórico muito próximo e me pareceu importante considerar; são pessoas diagnosticadas como hiperativas e que tiveram um caminho difícil na sua infância e adolescência, com medicamentos, e também na sua trajetória escolar e encontraram no uso constante de maconha fumada um equilíbrio que não tiveram com outros medicamentos, o que agrega o meu estudo por me parecer importante. Atravessando outros pontos, por algumas décadas também aparecem relatos de casos de mães na internet que começaram a tratar o seu filho com cookies ou brownies que foram feitos com manteiga de maconha, por exemplo. Essas mães obtiveram controle em aspectos dramáticos do autismo como as crises de agressividade. E ao falar maconha ou Cannabis, falo de plantas com THC em alto teor e não as que são voltadas para produzir CBD. Então esse foi o caminho que usei pois estava convencido e atravessar estes estudos com crianças epilépticas e os resultados apresentados por elas.
Hoje buscamos orientar pais de crianças autistas com a possibilidade de um tratamento para esses aspectos centrais com o óleo de cannabis que possui vantagens sobre os tratamentos tradicionais, especialmente os medicamentosos, disponíveis para o autismo. Um grupo de pacientes de Belém do Pará se interessou no tratamento e conseguimos a doação de uma empresa norte-americana através de uma associação de pacientes e interessados em cannabis medicinal aqui na região de Minas Gerais, A AMA+ME, para fazer um tratamento experimental de 9 meses, pois o acesso é muito dificultado, principalmente no que diz respeito à legislação brasileira (não estou tendo dificuldade relativamente significativa no estudo com os meus pacientes, apesar de ser preciso acionar o Estado e a Anvisa para conseguir  o uso do óleo no Brasil). Os pacientes que estavam no estudo receberam doação da empresa de Colorado, durante o tratamento, o que possibilitou a continuidade, já que o custo é alto (o tratamento de uma criança com aproximadamente 30 kg sai por cerca de R$ 2.000 por mês) e por isso um grupo de pais passou a buscar outras alternativas, como o uso dos óleos artesanais.
Eu iniciei esse grupo de tratamento para o autismo com 18 pacientes sendo que 15 estavam iniciando o tratamento e 3 já estavam sendo acompanhados por mim, sendo que 2 já descrevi e o terceiro é filho de um colega médico aqui em Belo Horizonte: uma criança epiléptica grave com alto risco de morte por causa da frequência das crises convulsivas e, no entanto, desde que começou a usar o óleo teve uma evolução boa e hoje já não usa outros convulsivantes. No terceiro ano do uso do óleo ele desenvolveu visivelmente os seus aspectos gerais, lembrando que ele é uma criança com limitações importantes, pois sofreu crises convulsivas generalizadas com grande frequência durante a vida, então tem lesões neurológicas permanentes, e mesmo assim, dentro de suas limitações, obteve grandes melhoras. Os outros 15 pacientes do grupo têm características comuns do TEA, sendo um conjunto de crianças epilépticas, outro de autistas de alta performance, outros com crises de auto-agressividade e hiperatividade, dentre outros. Acredito ser um leque bastante importante e com esses 18 pacientes tive uma representatividade significativa no que diz respeito à pesquisa do Canabidiol. Esta é uma amostra que pode não ser considerada expressiva, de um modo geral, mas indicativa, das condições gerais que se encontra nos diagnósticos das crianças
No início do tratamento tivemos três desistências por causa do uso de medicamentos tradicionais que foram retirados durante o tratamento, ex: rebote por retirada abrupta e outros efeitos. Hoje tenho visto muitos pacientes neurológicos com síndromes epilépticas graves que diante da falência com outros medicamentos têm iniciado o tratamento com óleos de cannabis e o próximo passo foi reduzir a dosagem dos outros medicamentos e aumentar o nível de óleos, o que diminuiu a frequência das crises epiléticas, e a partir desta atitude, hoje, estamos conseguindo fazer uma introdução mais segura dos óleos que é concomitante à retirada dos medicamentos.
O desenvolvimento da criança no TEA que está em tratamento com o canabidiol é visto no estudo com grandes melhoras na área da comunicação, no controle dos distúrbios do sono, diminuição de crises epilépticas, recognição social, dentre outras áreas de dificuldade no processo de desenvolvimento.
Eu percebo que devido ao pouco tempo das pesquisas sobre os efeitos do canabidiol, não temos relatos sobre o seu uso prologado.Mas espero, para crianças epilépticas refratárias, que continuem o tratamento até que haja um avanço no conhecimento que seja superior a esta terapêutica, o mesmo eu penso para crianças com distúrbio do sono grave, bem como com crises de auto agressividade e em todos os extremos do autismo. Nesses casos eu não consigo visualizar questões de dependência do uso contínuo. Já que as pesquisas são muito novas não temos certeza dos efeitos de dependência. Já no que diz respeito à interrupção do óleo, tive um paciente que não era agressivo e que teve grande melhora no desempenho cognitivo e funcional, mas interrompeu o tratamento devido à seletividade alimentar que estava causando emagrecimento, e tendo interrompido não teve regresso nos ganhos (este é o único caso em que observamos este resultado), diferentemente de quando aconteceu interrupção em casos de crianças com relatos de agressividade em que após esta interrupção as crises voltaram.
Me parece razoável que não haja dependência no uso do Óleo de CBD. As dificuldades são com as interrupções ocasionais ou não. Quando se fala de dependência as pessoas estão falando em cannabis em geral ou THC. E tenho experiência com pacientes utilizando óleo rico em THC ou cannabis integral e não vejo dependência importante. No grupo de 18 crianças que posteriormente foi reduzida a 15, vejo dificuldades na interrupção, pois as crises voltam, diferentemente das drogas tradicionais que causam dependência e efeito rebote. O processo de tratamentos tradicionais é muito limitado diante das dificuldades das crianças e eu tenho a segurança que do ponto de vista orgânico não existe associação entre o uso de canabinóides crônico e qualquer problema de saúde, diferentemente dos tratamentos tradicionais como o uso da Risperidona, associado à obesidade, parkinsonismo e hipercolesterolemia. Acredito que os tratamentos alternativos podem diminuir ou eliminar todos os antipsicóticos e anticonvulsivantes e conseguir bons resultados, portanto é uma grande vantagem já que este é um fitoterápico seguramente comprovado.
Está havendo uma expansão do uso de óleos artesanais no país, pois muitos cultivadores estão plantando e mudando sua forma de cultivo - e podem e devem fazer isso - pois há demanda para fazer o óleo com igual qualidade ao dos Estados Unidos e mais barato. Nós temos um relato histórico de uso de Cannabis - que tem teores de THC maiores – em que talvez haja surpresas negativas (e eu espero que não), pois os efeitos dos canabinoides pelo menos até onde eu posso dizer relativamente são inócuos comparando-se aos outros remédios tradicionais. Não queremos desfavorecer o THC, muito pelo contrário, pois tenho pacientes com evoluções surpreendentes com o uso de óleos artesanais com grande índice de THC e que tiveram controle excelente de crises. Os óleos artesanais têm problemas no que diz respeito à continuidade por causa da diversidade e da qualidade das plantas, o que pode influenciar no tratamento.
Na minha visão não há restrições importantes para crianças epilépticas, autistas ou autistas epilépticos. Se tratando de epilepsia refratária a necessidade é que comece o tratamento o mais cedo possível, pois dos tratamentos existentes é o menos agressivo, então seguramente é uma opção de tratamento com início precoce. Nos casos de autismo sem epilepsia, se o responsável está considerando o uso de antipsicóticos eu sugiro que inicie com o óleo, pois ele atua sobre o conjunto mais amplo dos sinais e sintomas, diferentemente das drogas tradicionais. Uma possível restrição é o uso de uma ou mais medicações psiquiátricas associadas ao óleo rico em CBD ou em THC. Pode ser utilizado com entrada mais suave do canabidiol e retirada lenta e programada dos antipsicóticos e até anticonvulsivantes, apesar de último ter boa associabilidade ao tratamento com canabidiol.

É importante ressaltar que não estamos falando em cura, mas em melhorar o desenvolvimento global da criança autista, trabalhando no controle dos aspectos mais graves e a alteração da curva do desenvolvimento para cima, abrindo portas de oportunidade para desenvolvimento futuro.

quarta-feira, 8 de março de 2017

III CAMINHADA DO DIA MUNDIAL DAS DOENÇAS RARAS NO RIO DE JANEIRO




Por Antonio Jorge de Melo

Dia 5/3/17 cerca de 500 pessoas entre pacientes, familiares, cuidadores, profissionais da saúde e simpatizantes da causa se uniram para a realização da III CAMINHADA DAS DOENÇAS RARAS, realizada no Aterro do Flamengo entre 9 e 12 hs. O evento foi realizado a partir da mobilização de mais de 20 associações de pacientes de DR´s, coordenadas pela AFAG.
Segundo o IBGE o estado do RJ possui cerca de 16.460.000 habitantes, onde mais de 1 milhão desses habitantes estão acometidos por alguma doença rara, dentre as mais de 7 mil existentes no mundo.

Doenças Raras

Criado em 2008, o dia DIA MUNDIAL DAS Doenças Raras é um evento anual de conscientização, coordenado pela Organização Européia de Doenças Raras (Eurordis).   Na Europa, uma doença é considerada rara quando afeta 1 em 2.000 pessoas. Já segundo a  Organização Mundial de Saúde (OMS) é a doença que afeta até 65 pessoas em cada 100 mil indivíduos.

As doenças raras são doenças crônicas e progressivas graves, muitas vezes com risco de vida. Para muitas doenças raras, os sintomas podem ser observados ao nascimento ou durante a infância, como é o caso da atrofia muscular espinhal proximal, neurofibromatose, osteogênese imperfeita, condrodisplasias ou síndrome de Rett, por exemplo. Mais de 50% das doenças raras manifestam-se na idade adulta, como é o caso das doenças de Huntington, Crohn e Charcot-Marie-Tooth, da ELA, do Sarcoma de Kaposi ou do Cancro da Tiróide.

Estima-se que haja 7 mil doenças raras diagnosticadas, sendo 80% delas de origem genética. Outras se desenvolvem como infecções bacterianas e virais, alergias, ou têm causas degenerativas. A maioria (75%) se manifesta ainda na infância dos pacientes, e 30% dos pacientes morrem antes dos cinco anos de idade. Afetam uma parcela considerável da população mundial – entre 6% e 8%, ou 420 milhões a 560 milhões de pessoas. 95% das doenças raras não possuem tratamento e dependem de uma rede de cuidados paliativos que garantam ou melhorem a qualidade de vida dos pacientes", diz o levantamento. No Brasil há estimados cerca de 13 milhões de pessoas com doenças raras, número superior à população da cidade de São Paulo.

Os doentes afetados por estas doenças enfrentam dificuldades semelhantes na sua procura por um diagnóstico, informação relevante e orientação adequada para profissionais qualificados, e estão mais vulneráveis do ponto de vista psicológico, social, econômico e cultural. Devido à falta de conhecimentos científicos e médicos eficazes, muitos doentes não são diagnosticados. As suas doenças permanecem por identificar. Estas pessoas são as que têm mais dificuldades em receber apoio apropriado.

FONTE:

Texto retirado de: http://falandosobreela.blogspot.com.br/2017/03/iii-caminhada-do-dia-mundial-das.html?m=1