ESTUDO DE BRASILEIRO NA
CALIFORNIA ESTARIA PERTO DE CURA PARA AUTISMO
ARTIGO PUBLICADO NO
JORNAL “O GLOBO”, EDIÇÃO DE 12/11/2014 – PÁGINA Nº 28
POR FLÁVIA MILHORANCE
TRANSCRIÇÃO
Liderado
pelo biólogo molecular brasileiro Alysson Muotri, um novo estudo da
Universidade da Califórnia em San Diego (UCSD), nos EUA, reforça a tese
crescente que o autismo pode ser reversível e se aproxima de um medicamento
para “curar” o transtorno.
A pesquisa
foi publicada ontem na versão on-line da “Molecular Psychiatry” da revista
Nature.
Trata-se da
apresentação da segunda etapa de um estudo publicado em 2010 e que, na época
ganhou a capa da “Cell”, uma das principais revistas científicas do mundo, ao
mostrar que os neurônios eram mais plásticos do que se pensava e que o autismo
poderia ser curado.
Na ocasião,
através da técnica de reprogramação celular, os pesquisadores transformaram
células da pele de pessoas com a Síndrome de Rett, que é um dos tipos graves de
autismo e que ocorre por mutações num único gene: o MeCP2.
Dessa forma,
poderiam estudar a fundo o comportamento das suas células cerebrais; depois,
aplicaram um medicamento experimental e notaram reversão nos efeitos genéticos.
DEFEITOS SÃO
REVERSÍVEIS
Neste novo
segmento, os cientistas da UCSD focaram o autismo clássico (ou não sindrômico).
Ao contrário da Síndrome de Rett, o tipo clássico tem vários genes envolvidos,
e sua base genética ainda é pouco conhecida.
Da mesma
forma que no estudo anterior, foram reprogramadas células, mas agora da polpa
do dente de leite de pessoas afetadas. Elas foram transformadas em neurônios de
um autista clássico.
Em seguida,
houve o sequenciamento genético do voluntário para mapear seus genes defeituosos.
Várias
mutações foram encontradas, entre elas uma que acumula uma das cópias do gene
TRPC6.
Em camundongos,
os cientistas confirmaram que essa mutação leva à redução de sinapses e
alterações morfológicas dos neurônios.
Além disso,
observaram que os níveis de MeCP2 (da Síndrome de Rett) afetam a expressão de
TRPC6, revelando um caminho molecular aos dois tipos de autismo.
Finalmente,
foi aplicado um medicamento que está sendo testado em humanos para tratar a
Síndrome de Rett (o IGF-1) nos neurônios do autismo clássico, e notou-se que o
efeito também foi positivo.
Isso
reforçou a idéia de que é possível reverter os efeitos dos neurônios, ou seja,
que transtorno pode ser curável.
- É possível
que, no futuro, essa tecnologia sirva como ferramenta de diagnóstico,
determinando a qual o tipo de autismo cada pessoa possa estar vulnerável e
possíveis terapias e medicamentos que a auxiliem.
Quanto antes
o diagnóstico no autismo, melhor o tratamento afirmou Muotri ao GLOBO.
Segundo o
pesquisador, a combinação de reprogramação celular e sequenciamento genético
abrirá portas da medicina personalizada voltada para diversas condições
mentais.
No futuro
ele crê que cada autista terá seu genoma
sequenciado para o teste de drogas mais adequadas; esse método já vem sendo
bastante empregado no tratamento do câncer, por exemplo.
- Estamos
bem no começo (da medicina personalizada) – contou Muotri – é preciso alinhar o
sequenciamento genético que está mais acessível financeiramente, com a modelagem
por células-tronco, algo que ainda é caro e impossível de fazer para todo
mundo.
Assim que
essas tecnologias evoluírem e ficarem mais baratas, veremos mais e mais da
medicina personalizada.
MINICÉREBROS
EM LABORATÓRIO
De acordo
com o biólogo, esse será o caminho da ciência no futuro – mas já em alguns
anos:
- Todos
teremos nossos “minicérebros” em laboratório, que serão usados para
diagnóstico, teste e dosagem de medicamentos antes de se tentar no paciente.
A partir
desse estudo, os pesquisadores da UCSD vão buscar expandir as observações para
outros tipos de autismo, tentando como diversas mutações convergem as vias
moleculares comuns.
O objetivo é
definir novos medicamentos que possam ser testados em humanos.
Sintomas do
espectro autista são minimizados com o uso de medicamentos, mas ainda não há
substância capaz de reverter o transtorno.
Segundo
Muotri, 55 mil novas drogas serão testadas até o final de 2015.
- Depois
entraremos com testes clínicos (em humanos), isso se tudo correr bem e tivermos
financiamento, claro – previu Muotri.
Tentamos
levar boa parte disso para o Brasil, buscando deixar o país mais independente
nessa área, mas não houve interesse político.
Esperamos
que nos EUA as coisas andem mais rápido e que, eventualmente, sejam aplicadas
no Brasil também.