terça-feira, 14 de junho de 2011

Sem Glúten, mas com sabor

Gluten-free cherry walnut muffins, in New York, May 14, 2011. Gluten-free cookies, pies and cakes are starting to rival their traditional counterparts, while ingredients and recipes become more available. (Andrew Scrivani/The new York Times)


Alguns anos atrás, produtos duros e sem gosto eram apenas um dos aspectos desagradáveis que as pessoas com sensibilidade a glúten tinham de encarar.
Em menos de uma década, o cenário mudou completamente. Biscoitos, bolos e tortas sem glúten estão começando a ficar em pé de igualdade com suas versões tradicionais.
Na Babycakes, padaria vegana e sem glúten com filiais em Manhattan e Los Angeles, as roscas de Erin McKenna são tão leves e saborosas que ninguém diria que não levam trigo. E os 'muffins’ integrais de Shauna James Ahern são tão etéreos, fofos e macios que mais parecem doces de outro planeta _um doce, sem gravidade – e melhores do que a maioria dos 'muffins’ de farinha de trigo integral.
Produtos de panificação sem glúten se tornaram mais saborosos à medida que a demanda por eles cresceu. Mais americanos – cerca de 6 por cento da população, segundo o Centro de Pesquisa Celíaca da Universidade de Maryland – descobriram que o glúten presente no trigo, na cevada e no centeio causa problemas de saúde. O nicho de mercado virou mercadoria convencional.
Isso significa que os produtos sem glúten, antes relegados a lojas de comida natural e lanchonetes alternativas, agora têm presença sólida em supermercados, restaurantes de shopping e estádios de beisebol.
Há 20 anos, o Bob’s Red Mill, de Milwaukie, Oregon, oferece produtos sem glúten entre os grãos e farinhas que vende, mas nos últimos quatros anos ele aumentou sua linha de produtos, que agora conta com 70 itens sem glúten, e viu as vendas crescerem 35 por cento por ano.
Depois que os supermercados começaram a ofertar farinhas compostas sem glúten e uma ampla gama de farinhas sem glúten, como de batata doce, sorgo, 'teff’ e aveia, produtos que antes podiam parecer esotéricos começaram a ser produzidos em casa. E gomas como as de xantana e guar, que conferem a estrutura e textura obtidas pelas proteínas do glúten (antes só disponíveis em laboratórios e fabricantes de alimentos), agora podem estar numa loja de produtos naturais próxima ou, pelo menos, a um clique do mouse.
Também houve uma enxurrada de livros de receita para ajudar a se virar numa cozinha sem glúten. “Quando comecei a cozinhar sem glúten, era uma questão de tentativa e erro, fazendo testes com todas essas farinhas desconhecidas, como sorgo e 'teff’, e aprendendo a usá-las”, disse Ahern, autora, ao lado do marido, Daniel Ahern, de 'Gluten-Free Girl and the Chef’ (Wiley, 2010) e do blog popular Glutenfreegirl.com. E os anos de treinamento valeram a pena.
Segundo McKenna, “cozinhar sem glúten fica melhor à medida que os padeiros, contando comigo, dominam melhor o uso de todos esses ingredientes diferentes”. Ela conta que, quando abriu mão do trigo em 2002, nenhum dos produtos que experimentou era completamente satisfatório. “Eram pesados e secos, não eram bons”. Isso a motivou a inventar suas próprias receitas e, por fim, abrir o Babycakes.
Ahern disse que quando tirou a farinha de trigo das receitas ela se sentia uma cientista maluca. “Eu nunca havia trabalhado assim antes. Ninguém havia assado coisas assim antes. Era uma área nova”.
O segredo do sucesso de Ahern foi não ter expectativas. “Há uns dois anos, me ocorreu que eu deveria parar de tentar fazer minhas massas imitarem receitas cheias de glúten. Tudo parecia diferente, mais úmido e macio; os pães não crescem tanto. Mas não importava porque as receitas estavam funcionando”.
A lição mais importante que Ahern aprendeu foi descobrir quanta farinha usar. Uma xícara de farinha sem glúten e outra de farinha de trigo terão pesos diferentes, mas grama a grama, funcionam do mesmo jeito. E a precisão das medidas em grama ajuda. “Estamos acostumados a medir as coisas por volume neste país, mas aprendi que pesando alguma coisa, dá para substituir uma mistura de farinha sem glúten pela de trigo praticamente em qualquer receita”.
Ahern recomenda fazer a própria mistura de farinha do que comprar as encontradas em lojas, para pode decidir que ingredientes usar ou descartar.
Sua mistura varia de acordo com o que tem em casa, mas ela descobriu que uma proporção de 70 por cento de farinha de grãos e/ou nozes (arroz glutinoso, arroz integral, farinha de milho, sorgo, amaranto, 'teff’, painço, aveia, trigo sarraceno ou amêndoa) com 30 por cento de amido (batata, araruta, maisena, tapioca) dará um substituto geral para a farinha de trigo.
“Não sei explicar por que essa proporção parece funcionar tão bem, só sei que, por tentativa e erro, funciona”. Uma mistura de farinha com essa proporção funcionou bem em várias receitas. Um bolo de amêndoas ficou cheiroso e amanteigado, ainda que um pouco mais quebradiço do que o usual.
Uma receita de bolo de chocolate ficou gostosa e intensa como sempre, talvez um pouquinho mais grudenta. Até a pizza ficou razoavelmente boa, com uma casca crocante saborosa, pouca coisa mais dura.
As receitas também funcionaram com a mistura de farinha comprada, mas ficaram mais secas e densas, com um gosto residual levemente metálico, provavelmente causado pelas farinhas de feijão no composto.
Ahern usa principalmente farinhas integrais nas receitas por dois motivos.
Um deles é a nutrição aumentada. O outro é que as farinhas integrais têm mais proteínas do que as refinadas, e alto conteúdo proteico é essencial para o produto sem glúten ficar bom. É por isso que alta proteína e farinhas de feijão (infelizmente com sabor vegetal e metálico), feitas de grão-de-bico e fava, costumam ser usadas nas misturas sem glúten para elevar o volume proteico. As gomas são outra forma de aprimorar a textura de produtos sem glúten.
O glúten dá a pães e outros itens a mastigação, a crocância e estrutura”, disse Rebecca Reilly, autora de 'Gluten-Free Baking’ (Simon & Schuster, 2007) e professora da Natural Gourmet Cooking School.
“Se não existir glúten na receita, é preciso lançar mão da proteína, amido e, às vezes, gomas e texturizadores, goma de xantana, guar, kudzu (Pueraria lobata), gelatina e pectina, para conferir estrutura e dar elasticidade”. Só que as gomas são caras e podem irritar o estômago de algumas pessoas. Ahern as tirou por completo das receitas. A proporção adequada de farinha de grão e amido deve ser o pulo do gato, ela disse.
Antes de começar a criar sua própria mistura de farinha, Pam Cureton, nutricionista diplomada do Cento de Pesquisa Celíaca da Universidade de Maryland, recomenda usar misturas prontas. “É caro misturar farinhas”. De acordo com ela, para quem não gosta do sabor das farinhas de feijão, existem novas composições à venda sem elas. Contudo, muitas já vêm com as gomas, então verifique os ingredientes se quiser evitá-las.
Segundo Curenton, quando se estiver cozinhando sem glúten numa cozinha coberta de glúten, é imprescindível garantir que não exista contato cruzado.
A farinha de trigo pode permanecer no ar de 24 a 36 horas. Se cair nas tigelas e fôrmas, ela pode contaminá-las, com a grande chance de deixar alguém muito doente. Da mesma forma, é melhor não comprar farinhas sem glúten de recipientes volumosos porque nunca se sabe se, por acidente, não enfiaram a concha de farinha de trigo integral na de painço.
Seu conselho é lavar a cozinha e os utensílios, fôrmas, tigelas, tábua de cortar e esponjas antes de começar a cozinhar sem glúten. Não se deve esquecer que aventais e luvas de forno devem estar limpos.
“Sempre digo às pessoas que se forem fazer receitas com e sem glúten, estas devem ser produzidas antes, quando a cozinha está limpa”. Mas, se você for cozinhar para um público misturado, talvez seja mais fácil ficar com a versão sem glúten. Com essas receitas todos comerão felizes do mesmo prato.

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